Folha de S. Paulo


Wong Kar Wai entra no mundo do kung fu com 'O Grande Mestre'

Quando criança, a grande curiosidade do cineasta Wong Kar Wai não era como uma câmera funcionava. Ele queria mesmo era saber o que se passava por trás das paredes de madeira das escolas de kung fu em Xangai, onde passou parte da infância, e Hong Kong, cidade que adotou aos oito anos.

"Meus pais não me deixavam entrar nas escolas, porque kung fu era considerado uma arma. E por que uma criança precisa ter uma arma?", recorda o diretor. "Para eles, kung fu era sinônimo de encrenca."

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Aos 55 anos, Kar Wai finalmente alimenta sua curiosidade com "O Grande Mestre", sua primeira incursão ao mundo das artes marciais e um dos grande destaques da segunda semana da Mostra Internacional de São Paulo.

Divulgação
O ator Chang Chen em cena de 'O Grande Mestre', de Wong Kar Wai
O ator Chang Chen em cena de 'O Grande Mestre', de Wong Kar Wai

Apesar de trabalhar com o coreógrafo de ação de "Matrix" (1999), elaborar as cenas de luta mais poéticas desde que Ang Lee encantou Hollywood com seu "O Tigre e o Dragão" (2000) e detalhar com exaustão artes marciais chinesas em três décadas, o cineasta de "Amor à Flor da Pele" (2000) diz que não fez um filme de kung fu, mas "um filme sobre kung fu."

Obcecado pelos menores detalhes, Kar Wai passou três anos viajando pela China, procurando entender quem era Ip Man (1893-1972), um dos maiores mestres de kung fu do país e professor de Bruce Lee (1940-1973).

Colocou o diretor de arte e figurinista William Chang para coletar por dois anos tecidos usados entre 1930 e 50, período que o roteiro abrange, treinou por mais três anos o casal de protagonistas Tony Leung --que quebrou o braço duas vezes-- e Zhang Ziyi e filmou a cena de abertura, com Ip Man enfrentando uma dúzia de lutadores na chuva, por 30 noites ininterruptas.

"Mas ninguém chorou no fim, porque todo mundo sabia que esse tipo de projeto não surge todos os dias", diz Kar Wai à Folha.

"O filme foi como um caso extraconjugal, exigiu oito anos da minha vida. Foi difícil encontrar registros sobre mestres de kung fu, porque eles não saíam nos jornais e não estão mais vivos. Conversei com amigos e familiares para poder conhecê-los."

"O Grande Mestre" não traz apenas as características de pesquisa de um dos diretores mais aclamados do cinema moderno, mas o longa é inundado pelos temas preferidos de Wong Kar Wai, como o romance impossível, que no filme percorre três décadas, as metáforas sexuais e a honra suplantando o desejo.

Uma combinação que já o fez concorrer quatro vezes à Palma de Ouro em Cannes e uma vitória como diretor por "Felizes Juntos", em 1997.

Editoria de Arte/Folhapress

"Eu não tenho consciência de ter um estilo próprio. Quando faço um filme, penso em perspectivas e tomo certas atitudes, mas é como pegar uma roupa do guarda-roupa. Eu não penso muito em como me visto", diz o cineasta, que nunca é visto sem seus óculos escuros.

A epopeia do longa não acabou quando o chinês gritou "corta" pela última vez. Ele passou dois anos na sala de edição e "passaria mais dois", afirma ele, no Festival de Berlim, quando abriu o evento, em fevereiro passado. "Eu nunca estou satisfeito, mas é preciso dizer adeus."

Por causa dessa insatisfação, "O Grande Mestre" tem três cortes diferentes. O que estreia sábado, na Mostra de São Paulo, tem dez minutos a menos que a versão chinesa. E um terceiro corte, ainda menor, foi exigido pelos produtores americanos.

"É meu dever e desejo apresentar o melhor para o público", fala o diretor. "O que conta é o resultado final."

O GRANDE MESTRE
QUANDO Sábado, às 18h
ONDE Cine Livraria Cultura 1 (av. Paulista, 2.073, Cerqueira César)


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