Folha de S. Paulo


Crítica: Plano único de 'Ana Arábia' faz todo o sentido e reaviva o cinema israelense

À primeira vista, parece uma dessas experiências um tanto supérfluas de fazer um filme inteiro num só plano. "Ana Arábia" é, porém, de outra natureza. Por um lado, reaviva o cinema de Amos Gitai, que andava um tanto pálido, sem inventividade. Por outro, está longe de tentar impor uma forma gratuita ao narrar a história de uma jornalista que vai à casa de uma sobrevivente de Auschwitz que trocou a religião judaica pela muçulmana.

É a família dessa mulher, Siam, que a jornalista vai conhecer. Cada um deles terá histórias para contar. Yussef, o viúvo, dirá em algum momento: "Já não sei de onde é minha família". Eles estão um pouco por toda parte: Israel, Palestina, Jordânia... É Yussef, também, quem reporta a questão ouvida muitas vezes por Siam: "Como você pode viver com um árabe?".

Amos Gitai prega coexistência de inimigos com filme da Mostra de São Paulo

As questões postas ao longo do filme são muitas, porém o fundamental é a continuidade obtida pelo plano único. À medida que a câmera se move pela propriedade, as histórias narrada ganham novos sentidos.

Divulgação
Cena de "Ana Arabia", longa de Amos Gitai que recebeu prêmio no último Festival de Veneza e integra programação da Mostra
Cena de "Ana Arabia", longa de Amos Gitai que recebeu prêmio no último Festival de Veneza e integra programação da Mostra

Gitai pode deter-se na forma como se constrói o discurso da discriminação, daí passar à história de Sara, que teve a casa demolida, ou de Jihad, filho de Yussef, que enlouqueceu e quis voltar a Niblus.

O efeito mais evidente do plano único é que ele afasta qualquer discurso fácil sobre convivência (tipo "Lemon Tree", simpático e ineficaz). O plano único diz e desdiz, compõe e decompõe, produz um tempo circular, daí resultando que, ao fim de certo tempo, já não é o filme que reflete sobre as histórias narradas: são elas que ecoam umas nas outras. O que parece ser destino pessoal ressurge coletivo, e tudo flerta com a completa falta de sentido.

Gitai continua a acreditar que a única solução para o Oriente Médio é a convivência entre israelenses e palestinos, é certo. Mas talvez nunca tenha, tão incisivamente, descrito a a existência de algo a que não seria inexato dar o nome de Hospício Israel.

ANA ARÁBIA
DIREÇÃO Amos Gitai
PRODUÇÃO França, Israel, 2013
ONDE Reserva Cultural 1, hoje (19), às 18h20
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO ótimo


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