Folha de S. Paulo


Amos Gitai prega coexistência de inimigos com filme da Mostra de São Paulo

"Meu trabalho como cineasta está terminado", surpreende o diretor israelense Amos Gitai. "Não estou falando que estou me aposentando. Odeio diretores que fazem um drama quando querem encerrar a carreira. O que estou falando é que meu trabalho como cineasta acaba quando o filme chega aos cinemas."

"Ana Arabia", seu novo longa, exibido na competição no último Festival de Veneza, e na programação da Mostra Internacional de São Paulo, seria uma bela despedida.

Crítica: Plano único de 'Ana Arábia' faz todo o sentido e reaviva o cinema israelense

Filmado todo em um longo plano-sequência (sem cortes) em 81 minutos, o drama acompanha a jornalista Yeal (Yuval Scharf) levantando histórias em uma comunidade em Jaffa que abriga vários árabes e judeus convivendo em harmonia.

Divulgação
Cena de "Ana Arabia", longa de Amos Gitai que recebeu prêmio no último Festival de Veneza e integra programação da Mostra
Cena de "Ana Arabia", longa de Amos Gitai que recebeu prêmio no último Festival de Veneza e integra programação da Mostra

A linha que une quase todos os personagens é Ana Arabia, apelido dado a uma judia que nasceu em Auschwitz, mudou-se para Israel depois da guerra e converteu-se ao islamismo para se casar com o pedreiro Yussuf (Yussuf Abu Warda).

"Essas histórias são baseadas em um trabalho que faço há 30 anos em documentários", conta o diretor de "Free Zone" (2005). "Sou um colecionador de contradições e esse filme é uma coletânea delas para quebrar essa falsa ideia de perfeição que nos leva à guerra. As pessoas tentem a retratar o Oriente Médio de uma maneira sistemática: somos anjos ou bastardos. Somos as duas coisas."

Poucos cineastas ousam falar com tanta propriedade sobre um dos conflitos mais persistentes da humanidade. Mas esse arquiteto de formação e cineasta por opção já demonstrou seu lado humanista em documentários sobre coexistência ou em filmes como "O Dia do Perdão" (2000), sobre suas experiências na Guerra do Yom Kippur, em 1973, que teve início com a invasão de forças egípcias e sírias a Israel.

"Nós não somos peões da história. Eu queria falar sobre certos assuntos e o cinema é um canal como uma pintura ou um livro", exalta o israelense de 63 anos. "'Ana Arabia' é contra o processo no Oriente Médio de eliminação. No Iraque, não há mais comunidades judaicas ou cristãs. Toda essa limpeza étnica é um desastre. Nós somos o berço da civilização e precisamos aceitar que a discordância é permitida e necessária."

Amos Gitai acredita que a paz é possível e reflete sua esperança na técnica escolhida para as filmagens de "Ana Arabia". Para chegar ao resultado final, ele filmou os mesmos 81 minutos por nove vezes para ficar satisfeito. "Não podia perder meu temperamento, apenas anotava os erros e consertava para a próxima filmagem", conta.

"O plano sequência é uma espécie de mensagem política pela continuidade pelos esforços pela paz no Oriente Médio. Não deve haver interrupções."


Endereço da página:

Links no texto: