Folha de S. Paulo


Em Frankfurt, escritores brasileiros comentam como violência influenciou suas obras

Entre o público que circula no pavilhão do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt, que vai até este domingo (13), predominam brasileiros, especialmente escritores ou editores com horas vagas entre as negociações da feira.

Questionados por mediadores alemães, autores da delegação brasileira têm parado para pensar e lançado olhares distanciados sobre a forma como a violência do Rio ou de São Paulo interfere em suas escritas.

Foi assim com Joca Reiners Terron, que, em debate com o colega Sérgio Sant'anna nesta sexta (11), destacou como a realidade paulistana aparece em seu mais recente romance, "A Tristeza Extraordinária do Leopardo das Neves".

"Minha realidade é de São Paulo. Não consigo deixar de conceber uma história em que a violência esteja presente, porque esse é um dos principais traços da nossa sociedade. Estava esses dias em Berlim com medo de ser assaltado e percebi que isso acompanha qualquer brasileiro, como um trauma de guerra. Minha história parte dessa sensação de pesadelo permanente", disse.

Explicou que procura testar, na ficção, os "limites dessa realidade pesadelar com a irrealidade plasmada no texto". "O livro tem esse caráter, dialoga com a fábula", afirmou.

No mesmo espaço, um dia antes, o escritor Marcelino Freire, em debate com Andrea del Fuego, esclareceu que não escreve "sobre" violência.

"Dizem que escrevo muito sobre violência, respondo que escrevo sob violência. A gente está num país em que a todo momento tem notícia triste, assassinato, ainda mais na periferia, com histórias de abusos. Sou do meu tempo e, se meu tempo está doente, meu texto fica doente também."

Freire argumentou que não lhe interessa tratar de personagens bem-sucedidos. "Não faço livros empresariais. Escrevo para entender o abismo ao redor, a violência que está presente."

Arrancou risos ao contar que seu pai costumava matar gatos na sua frente, o que lhe fez conhecer a violência desde cedo. "Meu pai matou 242 gatos, pombos. Ele pegava os gatos e jogava na parede", disse.

SOFÁ AZUL

Em outro espaço de entrevistas na feira, o Sofá Azul, este com público prioritariamente alemão, o romancista Paulo Lins tratou do assunto ao explicar a relevância do samba para a sociedade brasileira, tema de seu mais recente romance, "Desde que o Samba É Samba".

"O samba no Brasil no início funcionou como uma arma de guerra. O negro se impôs na sociedade brasileira pela religião e pela cultura, e é aí que entra o samba. O samba cresceu porque a polícia não queria que o samba continuasse", disse.

Fez uma referência ao discurso de abertura de Luiz Ruffato, na terça-feira (8), ao comentar que a miscigenação, "hoje uma coisa boa", "apesar de tudo começou com muita violência, sobretudo do homem branco sobre a mulher negra". "A fala do Ruffato foi antes de tudo uma declaração de amor", resumiu.


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