Folha de S. Paulo


Novelas infantis geram corrida a agências de talentos para crianças

Silvio Roberto Nascimento Filho, 8, queria se ver na televisão. Ele pedia para os pais para ser ator há pelo menos dois anos. A mãe, Elde Almeida Rios, psicóloga, conta que tentou ignorar e até tirar a ideia da cabeça do filho, mas não teve jeito: um dia foi surpreendida pela informação de que havia um teste agendado pelo menino em uma agência de talentos.

A história de Silvio é parte de um fenômeno que acontece a cada nova onda de lançamento de produtos dirigidos ao público infantil: a corrida pela fama mirim. Nesta temporada, os principais responsáveis são "Chiquititas" (SBT), com um elenco infantil massivo, e "Joia Rara" (TV Globo), que traz uma pequena buda vivida por Mel Maia, 9. Há ainda um reforço programado para a segunda-feira, quando estreia a novelinha infantil "Gaby Estrella" (Gloob), protagonizada pela estreante Maitê Padilha, 12.

A menina disse que desde pequena sonha em atuar. "Eu sempre interpretei personagens usando as roupas do meu irmão mais velho. Quando fiquei maior, comecei um curso de teatro e entrei em uma agência", afirma.

O caminho percorrido por Maitê até conseguir seu papel na TV é o mais comum entre os aspirantes a atores mirins: um curso de teatro, uma agência de talentos. Mas o que a maioria consegue não é um papel em novela, mas participação em comerciais.

Em São Paulo, a agência Kids, tem cerca de mil cadastrados, desde bebês a jovens com 17 anos. A proprietária, Isabel Burns, 32, foi um talento mirim, mas desistiu por ter recebido "muitos nãos". "Vi que não era para mim", diz. Para entrar no catálogo da agência, é preciso pagar R$ 450 por um material fotográfico renovado a cada dois meses por dois anos.

A Kids tem em seu banco de talentos nomes como o de Sophia Nazaro, 8, que começou a fazer comerciais aos 4 e nunca mais parou, e o de "Bruna Minetti", uma veterana aos 7, com mais de 50 trabalhos no currículo, entre figurações em "Chiquititas" e até em um longa-metragem, "Os Amigos" (2013).

Todos os pais ouvidos pela Folha afirmaram que as crianças são as maiores interessadas nos trabalhos e que a escola é a prioridade. Segundo o pai de Sophia, o economista Paulo Nazaro, a menina investe 25 horas por mês no trabalho, o que não a prejudica na escola. Ele afirma que a família gasta mais dinheiro do que ganha com as participações em comerciais.

Segundo Isabel Burns, os cachês podem ir de R$ 50 a R$ 45 mil, com diferentes cláusulas que podem exigir exclusividade de imagem por até 10 anos. Por contrato, a Kids fica com 37%.
Entre os problemas citados pelos pais, estão agências que cobram alto por livros fotográficos inúteis e a exposição dos filhos à rejeição.

Para Fernando Ramos, psiquiatra da infância e da adolescência e coordenador da Escola de Saúde Mental do Rio de Janeiro, o medo da rejeição reflete uma ideia de que não se pode sofrer. "Há uma dificuldade de os pais lidarem com as frustrações, mas o problema é quando não se prepara o filho para o mundo real. Para conseguir algo, é preciso lutar. Isso significa acumular frustrações."

Ramos destaca a participação dos pais na vontade de ser ator. "A criança não tem condições de tomar decisões autonomamente. Os pais têm seus interesses mais ou menos conscientes de também participarem de uma eventual celebridade do filho."

O psicólogo e psicanalista Alexandre De Bellis, que atende crianças e adolescentes há 20 anos, concorda. "A realização da criança sempre alimenta o narcisismo dos pais." Ele recomenda cautela: "A infância é um período importante para brincadeiras. Não é adequado preenchê-la demasiadamente com trabalho. Se o fazemos, é preciso moderação".

TRABALHO INGRATO

A carreira de Igor Lage, 34, começou quando tinha apenas 3 anos, ao participar de um "Caso Verdade", na TV Globo. O papel foi conseguido porque o garoto invadiu a sala de Guta Mattos, lendária conselheira de atores globais, e a implorou por um papel. "Minha irmã já atuava. A Guta achou engraçado, bonitinho, e me ajudou", afirma.

Depois, na mesma emissora, teve papéis no remake de "Selva de Pedra" e em "Hipertensão" (1986), até conseguir o personagem pelo qual ficou mais conhecido, o filho caçula do surfista Gaspar (Nuno Leal Maia) em "Top Model" (1989). Aos nove anos, ao viver John Lennon Kundera, já conhecia bem o metiê.

"Não prejudicou minha infância: ia à escola, sempre brinquei de tudo e meus horários eram respeitados."

Hoje afastado da TV --fez ainda "Vamp" (1991), mas seu último papel de destaque foi em "Caça Talentos" (1996)--, diz que considera o trabalho de ator "um pouco ingrato".

"Você meio que depende de as pessoas te convidarem, lembrarem de você. E quem não é visto não é lembrado", afirma. Segundo ele, a vida ficou corrida e, como não havia mais tempo de "passar no Projac", os trabalhos ficaram mais escassos.

Lage afirma que ficou "magoado" no início, mas que hoje entende que "as pessoas trabalham com quem gostam e com quem se lembram".

Embora não tenha mais atuado em projetos de televisão, o ex-ator mirim tem planos de trabalhar no teatro. "Se ganhasse na Mega Sena, faria minhas peças. Não dependeria de patrocínio e estaria me realizando no palco, que é o que gosto."

E se a filha de um ano pedisse para ser atriz, o que faria? "Eu não ia achar justo impedi-la. Eu fui ator criança."

Hoje, Lage comanda uma empresa de produção de eventos corporativos no Rio, com dois sócios.


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