Folha de S. Paulo


Análise: Alice Munro retrata a sordidez das relações sem fazer concessão ao leitor

Se existia até o momento, entre as editoras, um consenso tácito de que o conto é um gênero que vende pouco, esperamos que o prêmio Nobel 2013, outorgado a Alice Munro, possa mudar essa situação absurda.

Munro escreve exclusivamente contos e é comparada, nessa linguagem, a outro grande inventor: o russo Anton Tchékhov. Afinal, escrever um livro de contos com unidade, rigor e dicção própria, como fez a canadense com mais de 15 títulos, é exatamente igual a escrever um romance.

Dominar a arte do conto como ela o faz representa a capacidade (de acordo com Julio Cortázar) de continuamente vencer o leitor por nocautes e não por pontos, como faria o romance. Uma tarefa nada fácil, mas que a autora realiza com perfeição.

Editoria de Arte/Folhapress

Seu estilo é espantosamente simples e prosaico: o leitor tem uma sensação semelhante à de escutar alguém contando uma história. Nem por isso personagens e tramas perdem em complexidade.

Não há empatia nem piedade para com o leitor; ao contrário, o amor pode ser sufocante, e a dita felicidade, o tédio. Suas mulheres --tema principal da obra-- e seus problemas cotidianos atingem a todos, em qualquer parte.

Em seu último livro publicado no Brasil, "O Amor de uma Boa Mulher", uma mãe detesta seu bebê, um casal aparentemente apaixonado perde o interesse sexual e uma mulher de meia-idade se assusta com os peitos caídos.

Nesse sentido (e em alguns outros) sua linguagem lembra a de outra grande contista, Clarice Lispector, que, como Munro, não fazia concessões compassivas ao leitor.

Em seus últimos livros, assim como ocorreu com o americano Philip Roth, Munro vem abordando a velhice com e, em especial, a velhice feminina. Aos 82 anos, chegou a anunciar, ainda fazendo par com Roth, a aposentadoria.

Não parece casual que dois autores há tanto tempo concorrentes ao Nobel, ambos com um olhar atento à sordidez do humano, tenham decidido parar de escrever quase ao mesmo tempo.

Talvez o Nobel a faça --para o bem dos leitores-- desistir dessa desistência. Mas, caso Munro mantenha a palavra, o conto e seu público já terão ganhado muito com esse prêmio.

NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira e autora de "A Verdadeira História do Alfabeto" (Companhia das Letras).


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