Folha de S. Paulo


Jorge Mautner defende pagamento de direito autoral a biografados

Na discussão sobre a proibição de biografias não-autorizadas --amplificada depois que representantes de artistas como Chico Buarque e Caetano Veloso anunciaram apoio dos compositores às restrições--, Jorge Mautner, decano da MPB, defende o pagamento de direitos autorais a biografados.

"Não se trata de proibir. Um livro só poderia ser proibido se o artista não fosse remunerado", diz o compositor, cantor, músico e escritor.

"O artista, assim como o jogador de futebol, ganha a vida por mérito próprio. Portanto deve ter direito a tudo que estiver relacionado a ele. É uma extensão do direito pela coisa que faço."

Existem duas biografias publicadas sobre Jorge Mautner: "Proteu: ou a arte das transmutações", de Luís Carlos de Moraes Jr, e "Jorge Mautner em movimento", de Cesar Rasec, além do documentário "Jorge Mautner - o filho do Holocausto", inspirado em autobiografia sobre sua infância e adolescência. Quando perguntado se cobrou direitos autorais, ele riu: "Não. Mas devia cobrar". Depois, emendou: esta é mais uma medida de proteção da privacidade que qualquer outra coisa.

Na entrevista a seguir, ele expõe o seu ponto de vista:

*

Folha - Ninguém faz fortuna escrevendo biografias. Por que cobrar direitos autorais sobre elas?
Jorge Mautner - Não é pelo dinheiro, é pelo simbólico.

Seria este o motivo que levou Roberto Carlos a proibir a publicação de uma biografia dele?
Ele está no direito dele. A salvaguarda de Roberto Carlos é por conta de um acidente particular, que guardou para si a vida inteira. É uma questão de foro íntimo. E junta com isso sua devoção católica muito profunda e dirigida para si mesmo na concepção das coisas. Acho fundamental por isso. Estamos no reino da delicadeza e do trato estabelecido. A publicidade nem sempre positiva pode até atrapalhar o processo artístico de uma pessoa.

Seria então um gesto de defesa.
Além disso tem os familiares, os amigos. É um respeito emocional pelo terceiro. Essa conversa me remete à princesa Diana. Esta é uma defensiva contra um tipo de imprensa marrom. Seria uma defesa contra a intromissão esmagadora. Às vezes você não pode andar nem dentro de sua casa.

Qual o papel do jornalista nesse mundo?
O jornalista é a essência do mundo contemporâneo. Ele irradia e intensifica a liberdade de expressão e dos direitos humanos em todas as instâncias. É agressivo no bom sentido, é emocional, dramático.

Biografia e jornalismo se confundem?
Um pouco. Mas o biógrafo vai revolver toda sua vida e entrar em detalhes que uma reportagem do dia a dia não entraria. Eu por exemplo posso omitir fatos nesta entrevista, e eles simplesmente não serão publicados.

Se o artista deve ser remunerado, aquele que é objeto de sua inspiração também deveria, não? Por exemplo, [o personagem que inspirou a canção] "Menino do Rio", do Caetano.
Aí não. Isso é a ocorrência natural das coisas, todos somos influenciados pelos outros.

E o político, também deve receber seus direitos autorais?
Eu acho que cada caso é um caso. Não sou especialista no assunto, esta é uma questão complexa. Mas acho que devia dividir. O político, talvez por exercer um mandato popular, teria um outro enfoque. Agora, se fuçar a vida particular dele, não sei. Veja o caso de Getulio Vargas. Ele merecia um livro genial. E este livro revela casos de amantes que ninguém falava. Imagina se esse livro tivesse sido publicado na época. O autor seria assado.

Complicado falar em privacidade nos dias de hoje.
Por que tiraram o "amor" de nossa bandeira? Seguindo Auguste Comte, era para vir acompanhado de "ordem e progresso". A justificativa na época foi para que a República não confundisse essa parte sagrada que é a liberdade individual. Hoje a privacidade já foi devassada. E, se proibir, tudo acaba circulando na internet. Hoje em dia [Edward] Snowden [ex-técnico da Agência Nacional de Segurança dos EUA que revelou espionagem do país] é um herói. No passado seria fuzilado.

Mas afinal, proibir uma biografia é censura ou não é?
[risos] É interessante a formulação. Mas não se deve confundir alhos com bugalhos. A censura política do Estado tem a ver com outro tipo de exigência de direitos. Aqui estamos falando sobre intimidade, sobre autorização por parte de segundos e terceiros diretamente envolvidos. Um problema de outra dimensão.

Então o que significa "é proibido proibir"?
Acabei de escrever uma música com o José Miguel Wisnik sobre direitos humanos que tem um trecho assim: "Liberdade é bonita mas não é infinita. Me acredite, a liberdade é a consciência do limite".

Juliana Torres/Divulgação
O cantor e compositor Jorge Mautner, que defende que biografados recebam direitos autorais
O cantor e compositor Jorge Mautner, que defende que biografados recebam direitos autorais

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