Folha de S. Paulo


Mostra no MIS com 500 itens ilustra trajetória do cineasta Stanley Kubrick

Um machado usado por um célebre psicopata internacional está neste momento encaixotado numa sala do Jardim Europa. A partir do próximo dia 11, filas de pessoas deverão se acotovelar para ver a peça, numa vitrine de um museu de São Paulo.

Com essa arma um sujeito chamado Jack, que trabalhava muito e se divertia pouco, arrebentou a porta de um quarto de hotel abandonado e tentou matar sua mulher, no fim da tarde de uma segunda gelada de inverno.

O instrumento cortocontundente, empunhado pelo ator Jack Nicholson no filme de terror "O Iluminado" (1980), é só uma das centenas de itens de uma exposição que promete tirar do escuro boa parte dos cinéfilos da cidade.

A mostra "Stanley Kubrick", que abre daqui a dez dias, no Museu da Imagem e do Som (MIS), tem mais de 500 peças ligadas à obra do cineasta americano.

A diversidade dos elementos da exposição --desde um par de cândidos vestidinhos infantis até um capacete com a inscrição "Nascido para matar"-- ilustra uma característica central de Kubrick (1928-1999): o cineasta completo.

Foi isso o que disseram sobre ele figuras como Martin Scorsese, Luís Buñuel ("'Laranja Mecânica' é o único filme sobre o real significado da vida moderna") ou Steven Spielberg ("Ele foi o grande mestre. Não copiou ninguém enquanto todos tentávamos atrapalhadamente imitá-lo").

Criada na Alemanha, em 2004, e já apresentada em dez cidades do mundo, a mostra paulista pretende enfatizar as diferentes frequências nas quais Kubrick operou.
trabalho e paixão

"Em cada filme, em cada gênero, seja comédia, ficção científica ou épico, ele conseguiu criar um tensão diferente", opina o diretor do MIS, André Sturm, que trouxe a mostra ao Brasil. Ele próprio participou da criação do desenho das 11 salas principais, cada uma dedicada a um dos filmes de Kubrick, com luz e expografia inspirados na obra em questão.

A filmografia completa (exceto "Medo e Desejo", de 1953, renegado pelo próprio Kubrick) será exibida no MIS a partir do dia 11, como tira-gosto para a homenagem a ele na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Cunhado de Kubrick e produtor de alguns de seus filmes, o alemão Jan Harlan virá ao país para uma aula e a exibição de seu "Stanley Kubrick: a Life in Pictures" (Uma Vida em Imagens).

"A exposição irá mostrar quanto trabalho e paixão há por trás de cada filme dele", diz Harlan à Folha. "Esta parece uma declaração banal, aplicável a qualquer grande criador, de Mozart a Monet, mas é este fogo que marcou a subjetividade de seus filmes."

Divulgação
Stanley Kubrick (à dir.) nas filmagens de 'Laranja Mecânica
Stanley Kubrick (à dir.) nas filmagens de 'Laranja Mecânica'

Se para o público geral devem chamar mais atenção elementos cenográficos de filmes como "2001" (um dos macacos estará presente), "Lolita" ou da obra final do cineasta, o lúbrico "De Olhos Bem Fechados", para Harlan um dos destaques da mostra é a documentação sobre dois projetos não realizados: um filme sobre o Holocausto ("Aryan Papers") e um longa sobre Napoleão Bonaparte.

Sturm, cujo Kubrick predileto é "Laranja Mecânica", aposta que, todos os dias, quando chegar ao trabalho encontrará filas de visitantes. "Pretendo que esta mostra seja para o MIS o que a de Rodin foi para a Pinacoteca", diz ele. "Não me parece tão difícil. Kubrick transcendeu o cinema. Ele criou ícones da cultura ocidental, presentes até em camisetas e ímãs de geladeira do mundo todo."

STANLEY KUBRICK
ONDE Museu da Imagem e do Som (av. Europa, 158, tel. 0/xx/11/2117-4777, São Paulo)
QUANDO a partir do dia 11 de outubro; venda de ingressos a partir de hoje no MIS ou no site www.ingressorapido.com.br
QUANTO de R$ 10 a R$ 20

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OBRAS EM EXIBIÇÃO
Comentários do crítico Cássio Starling Carlos

1955
A Morte Passou Perto
O cotidiano de um boxeador em Nova York, mostrado com um realismo seco na contramão dos ilusionismos de Hollywood

1956
O Grande Golpe
O assalto a um hipódromo converte-se em estudo sobre ambição nesse policial; equilíbrio do estilo visual com uma tensão que nunca cede

1957
Glória Feita de Sangue
Primeiro ataque anti-bélico do diretor, narra a brutalidade militar na 1ª Guerra com câmera preocupada em não embelezar o horror

1960
Spartacus
Originalmente veículo para Kirk Douglas, Kubrick faz do épico um espetáculo sobre o que mantém e depois destrói os impérios

1962
Lolita
Depois do grandioso, retorno ao intimismo com uma crônica sobre desejo e repressão em que os atores brilham tanto quanto a direção

1964
Doutor Fantástico
Ao trocar a seriedade pela comédia, o cineasta capta com mais desfaçatez a insanidade da crença no progresso e encontra em Peter Sellers um intérprete ilimitado

1968
2001, Uma Odisseia no Espaço
Kubrick reinventa a ficção científica nessa ópera magnífica e enigmática, na qual o homem perde seu lugar de centro do universo ao se defrontar com a máquina e o cosmos

1971
Laranja Mecânica
Ao voltar à Terra, o cineasta retoma seu pessimismo com esse pesadelo em que a bizarrice dos cenários e a deformação da imagem projetam um futuro cada vez mais parecido com o presente

1975
Barry Lyndon
Filme de época no qual a obsessão do diretor com a fotografia, que aqui alcança a perfeição pictórica, chama mais a atenção do que o percurso negativo de seu protagonista

1980
O Iluminado
Kubrick aborda o terror examinando os efeitos da solidão; real e alucinação se confundem na tela, enquanto os limites do espectador são testados por um cineasta tão perigoso quanto o protagonista

1987
Nascido para Matar
Em vez de outro filme sobre o Vietnã, Kubrick, desmonta a disciplina militar que leva da ordem à destruição; ele experimenta a forma visual dos games para sondar um terreno inexplorado

1999
De Olhos Bem Fechados
Kubrick usa o poder de sedução de um par perfeito envolvendo-os num jogo de máscaras para desmascará-los depois, culminando com perda de inocência da plateia


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