Folha de S. Paulo


Estilistas recorrem ao Instagram para descobrir gostos e vidas de fãs

Fotógrafa compulsiva de temas elegantes, kitsch ou exóticos, Susanna Lau, blogueira mais conhecida como Susie Bubble, estava passeando meses atrás pelo mercado de rua do parque Meiji, em Tóquio, fotografando camisas havaianas antigas, robôs de brinquedo e bonequinhas de Minnie Mouse, para subir para a rede com seu celular.

Alguns anos atrás, ela talvez arquivasse as fotos, e as marcasse como pessoais. Agora, oferece acesso a elas para qualquer pessoa equipada com um celular dotado de câmera e com uma conta no Instagram. E por isso não foi surpresa, disse Lau recentemente, quando ela voltou de viagem e encontrou "algumas de minhas imagens nos mood boards de estilistas".

A experiência dela nada tem de único. Nos últimos meses, estilistas de toda estirpe e orientação estética passaram a recorrer ao Instagram para vislumbrar o gosto e as vidas de seus fãs -- blogueiros como Lau, designers, modelos, artistas e visitantes aleatórios, que por sua vez mostram suas fotos e encontram espaço na consciência dos estilistas, em seus mood boards, em algumas campanhas publicitárias e, direta ou indiretamente, em suas passarelas.

"As imagens são parte importante de nossa inspiração", diz Jason Wu, que se declara viciado em Instagram e cujo perfil conta com 85 mil seguidores, e costuma acompanhar regularmente cerca de 150 outros usuários.

"Você acompanha o que as pessoas estão pensando, ou ao menos o que elas desejam que você imagine que estão pensando", disse Wu. "E isso muda a forma pela qual desenhamos nossas roupas".

Desde que foi criado, dois anos atrás, o Instagram, que atrai 150 milhões de usuários ao mês (e foi adquirido pelo Facebook em 2012 por US$ 1 bilhão), emergiu como uma espécie de Twitter visual. Não admira, portanto, que esteja sendo explorado pelas grifes de moda em todos os níveis do mercado, como banco de imagens, ferramenta de pesquisa, local para exibir mercadorias e, o mais importante, como caminho para os pensamentos dos consumidores. A persistência do mundo da moda em buscar inspiração e comentários no site pode virar de cabeça para baixo a antiga hierarquia do setor.

"Tradicionalmente, o mundo da moda sempre procurou manter o controle criativo", diz Maureen Mullen, que comanda as pesquisas do L2 Think Thank, instituto de pesquisa que reporta e analisa tendências de mídia social. Mas recentemente a moda parece estar cedendo parte de sua autoridade às pessoas que compram e usam as roupas produzidas por suas grifes.

"Os estilistas estão tratando os consumidores como artistas, pessoas que pela primeira vez criam conteúdo capaz de gerar aspirações, e que as marcas desejam usar", disse Mullen.

APROVAÇÃO INSTANTÂNEA

Diane von Furstenberg costuma vasculhar o Instagram em busca de comentários. Quando recentemente postou imagens de flores selvagens de cores intensas, os seguidores registraram aprovação instantânea, e houve quem sugerisse que elas seriam ótima estampa para um vestido. Será que ela consideraria a possibilidade? "Pode ser", respondeu a estilista.

Furstenberg não é a única a aproveitar os formidáveis poderes do Instagram no campo do crowdsourcing.

"O Instagram mudou meu olhar", diz Nanette Lepore.

E também coloriu sua passarela, O desfile da coleção de primavera de Lepore, no dia 11 de setembro, ganhou vivacidade com uma série de estampas de papoulas, com tons ácidos sutilmente desbotados reproduzindo de maneira crível as cores desbotadas e os estranhos efeitos que os filtros do Instagram criam para as fotos dos usuários do site.

No final do segundo trimestre, ela tentou capturar o espírito irreverente dos frequentadores de Venice Beach, muitos dos quais devotos da moda e fotógrafos ávidos, para sua coleção de férias. "Fomos inspirados por como essas jovens saem às ruas e se fotografam", ela diz. Lepore integrou elementos do estilo pessoal dessas jovens ao seu desfile de junho, e também às suas campanhas de publicidade.

Esse é só mais um exemplo de grifes de moda dispostas a "conferir a todos uma sensação de autoria", diz Ferdinando Verderi, diretor de criação da Johannes Leonardo, agência de publicidade que atende a diversas marcas. O Instagram, ele diz, "nutre a importância das vozes individuais e o poder da persona por trás delas".

No começo do ano, Wu encontrou diversas imagens de Instagram da modelo e ativista ecológica Christy Turlington com seus filhos na praia, comendo um sanduíche de filé com queijo à moda da Filadélfia. Ele não conhecia Turlington em pessoa, mas ficou encantado com as imagens e a convidou para aparecer em sua campanha de outono --e ainda mais encantado quando ela aceitou. A campanha com fotos dos dois a ponto de saborear uma série de iguarias apimentadas no Chow estreou este mês.

Ao fomentar esses relacionamentos e encorajar o intercâmbio espontâneo de ideias, o Instagram ganhou vantagem mensurável diante do YouTube, Pinterest, Tumblr e Facebook. Um recente estudo da L2 mostrava o app gerando 25 vezes mais envolvimento do que outras plataformas de mídia social, diz Mullen.

Michael Kors, cuja conta tem mais de um milhão de seguidores, ficou espantado com o alcance do Instagram.

"Adoro quando posto uma foto e, em poucas horas, 10 mil, 20 mil ou até 40 mil pessoas a curtiram ou comentaram ou republicaram", ele diz. "Torna possível conexões em escala incrível".

SEM AFETAÇÃO

O estilista Wes Gordon tem uma página para sua grife no Facebook. "Mas o Instagram me parece mais pessoal", ele diz. "É um belo vislumbre do mundo real de alguém, sem muita afetação".

Ocasionalmente, ele diz, "uma garota de quem sou amigo posta imagens dela em uma festa ou nas férias, e eu fico pensando o quanto ela está bonita. Essas imagens se tornam parte de minha biblioteca visual".

Imagens aparentemente espontâneas como as mencionadas dão a Gordon e seus colegas percepções sobre a vida dos consumidores.

"Muitas vezes me pergunto aonde vai uma garota que compra um dos meus vestidos", diz Jonathan Simkhai, outro aficcionado do site. O app o ajuda a responder a essa pergunta. "Preenche muitas lacunas. É minha cliente falando de suas necessidades".

Simkhai buscou inspiração em fotos que ele mesmo tirou, transformando as imagens de uma visita que fez ao píer de Santa Monica, no final de 2012, em estampa para sua coleção de primavera.

A influência do app nem sempre é tão fácil de detectar nas passarelas. Mas em seus sites e na Web, estilistas postam fotos de seus seguidores e tentam francamente atender aos desejos deles. No mês passado, Marc Jacobs exibiu uma imagem mostrando três delicadas gargantilhas em sua conta no Instagram. "Ouro, ouro rosado ou prata?", ele perguntou aos seus seguidores, pedindo que votassem.

No senso mais amplo, o Instagram funciona como uma extensão popular dos tradicionais trunk shows, nos quais clientes podem solicitar aos estilistas variações de um modelo.

"Nos trunk shows, pensamos em nós como co-criadores de uma roupa, em parceria com o estilista de que gostamos", diz Susan Scafidi, professora e diretora acadêmica do Fashion Law Institute, na Fordham Law School, em Nova York. Em Nova York, "o Instagram conduz esse processo a um novo nível e permite colaboração coletiva".

"Como modelo de crowdsourcing", ela acrescentou, "é uma nova maneira de remover parte da incerteza do processo de prever o que desejam os consumidores".

Rebecca Minkoff, usuária do Instagram praticamente desde que este surgiu, e com mais de 250 mil seguidores, age com mais prontidão que a maioria dos estilistas ao incorporar sugestões de usuários às suas linhas de roupas e acessórios.

"Se uma cliente me diz que gostaria de uma bolsa com detalhes em metal fosco, e pergunta se posso inclui-los", diz Minkoff, "e se eu conseguir 25 pedidos para essa ideia, ordeno a produção".

Honrar os desejos dos fãs é parte de uma agenda mais ampla, ela diz.

"Quero que essas jovens se sintam parte do processo de criação", diz Minkoff. "Isso certamente as torna mais dedicadas à marca".

RISCOS

Usar o app para tomar o pulso dos consumidores tem seus riscos. Poucos visitantes ao site de um estilista podem se alegar especialistas em moda. E um "curtir" no app não quer dizer compromisso de compra.

"No Instagram, as pessoas 'curtem' as coisas que consideram mais extremas ou vistosas", diz Scafidi. "Muitas vezes não são as coisas que elas comprariam na realidade".

Essas objeções não afetam Lepore, que recentemente anda fascinada pelas imagens de Andre Judd, cujos posts ela estuda atentamente.

"Ele sempre usa a mesma camisa com estampa paisley", ela diz. "O estilo dele é maravilhoso. Talvez um dia eu crie uma linha inspirada por uma bela camisa que esse cara esteja usando".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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