Folha de S. Paulo


Bruce Springsteen: 2h40 que valeram por um festival

Esqueça a tirolesa, a roda gigante, o desfile de Vips, a overdose de anúncios, as bandas ruins, os sons derivativos, os shows no piloto automático e os fogos de artifício. Tudo perfumaria.

Um bom show só precisa de uma coisa: boa música.

O que Bruce Springsteen e a E Street Band fizeram na madrugada de domingo na Cidade do Rock foi coisa de gente grande, um pé no peito da infantilização que tomou conta do Rock in Rio e transformou o festival num parque de diversões corporativo.

Acompanhei as cinco edições do Rock in Rio e não consigo lembrar um show tão emocionante. Foi mais curto que os recentes shows de Bruce - o de São Paulo durou 3h15 - mas intenso e cheio de grandes momentos.

Pouco antes do show, conheci na plateia um casal de espanhóis, fanáticos por Bruce. "John Mayer tem mais fãs que Bruce no Brasil?", perguntou o rapaz, espantado. De fato, depois do show de Mayer, boa parte da plateia foi embora. "Na Espanha, Bruce toca para 70 mil pessoas; ele é uma religião para nós", disse a menina. No Brasil, Springsteen não chega a ser uma religião. Está mais para culto, com poucos seguidores - especialmente se comparado aos Estados Unidos e Europa - mas os convertidos realmente idolatram "The Boss".

A debandada dos fãs de Mayer foi providencial: deu para chegar bem perto do palco e testemunhar um show histórico.

A exemplo do show de São Paulo, Bruce abriu tocando uma versão matadora de "Sociedade Alternativa", de Raul Seixas e Paulo Coelho, com um dançante arranjo à Motown. "Obrigado, Raul Seixas", disse o cantor.

Durante 2h40, Bruce e banda tocaram 26 músicas, com uma surpresa no meio: o álbum "Born in the USA" na íntegra. Clássicos como "Badlands", "Hungry Heart", "Dancing in the Dark", "Born to Run" e "Thunder Road" emocionaram o público.

No fim, a dobradinha "Twist and Shout"/"La Bamba" transformou o lugar num enorme baile, enquanto o Rock in Rio fazia sua tradicional queima de fogos (estariam avisando a Bruce que seu tempo tinha acabado?). Ele ainda voltou para agradecer a plateia e cantar, sozinho, "This Hard Land".

O que o homem suou não foi brincadeira. Ele correu por todo o palco, pulou na galera várias vezes, abraçou e foi abraçado, chamou meia dúzia de fãs para cantar "Dancing in the Dark" e deu o microfone para um fã mirim, que não devia ter mais de 10 anos, cantar "Waitin' on a Sunny Day". Exausto, Bruce se refrescava enfiando a cabeça em um balde de água com gelo e levou um banho do guitarrista Little Steven (sim, é o cara dos "Sopranos").

No fim, todo mundo sorria: público, banda, e até os cinegrafistas que filmavam o show (um deles foi usado de encosto por Bruce).

Ninguém vai esquecer esse show por muito tempo.


Endereço da página:

Links no texto: