Folha de S. Paulo


Filme de Terry Gilliam sobre mundo conectado divide o público de Veneza

Há diretores que odeiam buscar o passado. Não é o caso de Terry Gilliam. Ao apresentar seu novo filme, "The Zero Theorem", nesta segunda (2/9), na mostra competitiva do Festival de Veneza, o americano mais inglês que existe no cinema fez questão de traçar um paralelo entre a obra e seu clássico "Brazil: O Filme", de 1985.

"Quando fiz 'Brazil', eu estava tentando pintar uma imagem do mundo no qual estava vivendo. 'The Zero Theorem' é uma espiada do mundo em que vivemos agora, com todo mundo conectado", explica o diretor. "O filme questiona se ainda possuímos relações reais ou apenas virtuais."

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A relativização de Gilliam é compreensível. Mesmo sendo um ex-Monty Python e responsável por pérolas inesquecíveis como "Monty Python em Busca do Cálice Sagrado" (1975), "As Aventuras do Barão de Münchausen" (1988) e "O Pescador de Ilusões" (1991), o cineasta não tem um sucesso que une crítica e público desde "Os Doze Macacos" (1995).

"Quando Terry me ligou oferecendo 'The Zero Theorem', ele disse: ou me atiro neste filme ou atiro em alguém", brincou o produtor Nicolas Chartier, da Voltage Pictures, uma das poucas empresas americanas investindo em filmes mais ousados como os recentes "Guerra ao Terror" e "Killer Joe".

VAIAS E APLAUSOS

Mas se depender da recepção de "The Zero Theorem" em sua primeira exibição mundial, no Festival de Veneza, Gilliam outra vez sofrerá uma decepção. O filme dividiu a plateia formada por jornalistas e membros da industria cinematográfica com vaias e aplausos.

Não chega a ser um mau sinal. O longa protagonizado por Christoph Waltz no papel de um hacker com desejos de isolamento e à procura da resposta fácil para a felicidade (um telefonema de uma estranha entidade), não é de fácil digestão, mas tem os velhos elementos que transformaram o cineasta em um ícone, do visual surrealista que beira o infantil aos personagens bizarros.

O filme se passa num futuro distópico no qual a humanidade perdeu sua capacidade de reação ou comunicação real, mas não chega a ser diferente de alguns aspectos do presente: festas em que os convidados usam fones de ouvido e tocadores próprios de MP3, artigos de imersão para sexo online e a importância do comportamento virtual em detrimento da ação real.

"Acho que o futuro nos alcançará antes de o alcançarmos", filosofa o diretor. "As pessoas estão cada vez mais isoladas e fazendo seu trabalho, como fazemos hoje em dia. Parece que o mundo é uma grande corporação e as pessoas têm medo de questionar as decisões de cima."

Qohen Leth, o personagem de Waltz tem o desejo banal de trabalhar em casa para esperar pelo "chamado da felicidade", mas só consegue isso ao aceitar um projeto especial enviado pela "Gerência", um "Big Brother" interpretado por Matt Damon.

STRIPPER VIRTUAL

Nesta jornada, ele conhece uma stripper virtual (Mélanie Thierry) que o fará questionar o próprio elemento da felicidade.

"Qohen teve uma mulher no passado e se magoou, por isso tenta se esconder. Mas surge outra em sua vida que o seduz no mundo virtual e o machuca no real", diz Gilliam.

"Isso é o amor. O amor é perigoso e não recomendo para ninguém."


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