Carlos Lombardi, 54, adora praia, mas, "como bom paulista", acha areia "insuportável". "Não sei por que não botam um piso melhor."
Fez do seu gosto pessoal pelo sol e pelo mar a matéria-prima de sua obra na TV.
Autor de novelas das sete da Globo de alta voltagem cômica e sexual, como "Quatro por Quatro" (1994), não hesita em tirar a camisa (e outras peças do vestuário) de atores.
Os personagens descamisados de Lombardi retornarão à TV a partir da segunda quinzena de setembro em nova emissora e horário.
Análise: Principal alvo da nova censura moralista é a telenovela
Após 31 anos na Globo, o autor foi para a Record, onde estreará "Pecado Mortal", às 22h30, sobre o momento em que os bicheiros perderam o poder nos morros cariocas para os traficantes, em 1970.
"Sei que fui, junto de 20 autores e outros profissionais, uma das pessoas que construiu o padrão Globo de qualidade. Mas não estou com a mínima vontade de virar uma história do passado, me interessa mais o presente", diz.
Lombardi não assina um um folhetim desde 2007. No período, teve duas sinopses rejeitadas na Globo -o remake de "O Rebu" (1974) e a inédita "João ao Cubo".
Em entrevista à Folha, fala do aumento do "esquadrão burocrático" dentro da Globo, sobre as demissões na Record e critica a rigidez da classificação indicativa, sob o governo do PT, que, segundo ele, tornou as novelas atuais "mais bobas do que há 10 ou 15 anos atrás". Leia trechos:
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Saída da Globo
Estava com pressa de fazer um projeto. E lá, o processo estava lento. Também queria mudar de registro. Fiz uma proposta maluca de uma comédia para as 19h, o "João ao Cubo". Seria o famoso clássico do cara com três mulheres, mas, em vez de três cidades, eram três épocas diferentes. Não sabia mais o que inventar. Não teve briga, não xinguei ninguém, estou muito velho para isso.
Classificação
As novelas hoje estão mais bobas do que há dez ou 15 anos atrás. A classificação indicativa ficou mais rígida, porque, quando o PT assumiu, essa parte ficou com a Igreja Católica. Escrever novela é lidar com a moral média do público. Se fizer uma história em que, no primeiro capítulo, a mocinha aborta, atravessa a rua e vai fazer sexo por prazer será controverso e o público não a apoiará.
Frequentemente, o Ministério Público está a reboque de gente mais careta que a média. Por medo do Ministério Público não vai ter cigarro em "Pecado Mortal". E ela se passa em 1977. Porque cigarro é droga legal e eles podem reclassificá-la por isso.
Estrutura da Record
Na Record, é menor a possibilidade de lidar com o imprevisto, com o improviso. Mas tem menos burocracia, porque há menos chefia. É impressionante como aumentou o esquadrão burocrático da Globo. Na Record, seu chefe está a duas portas.
Tentei logo de cara escalar a novela com o elenco da casa. Jussara Freire, Betty Lago, Paloma Duarte já estavam lá. É óbvio que seria bom ter o [Antonio] Fagundes. Mas passei 31 anos na Globo e nunca trabalhei com ele.
Karime Xavier/Folhapress | ||
O autor Carlos Lombardi posa em seu apartamento, em SP |
Demissões
O que a Record fez foi redimensionar sua equipe. Alguém convenceu [a direção do canal] de que dava para produzir três novelas com pouco dinheiro. O país está numa semi-recessão. O dólar disparou. Ninguém bota muita fé na administração econômica do governo. Os negócios estão parados. Na novela, tive que reduzir a quantidade de gravações externas. Em troca, ganhei um estúdio.
Audiência
Houve uma queda real e clara de audiência na Record. Não tenho a pretensão de virar o jogo com rapidez. Vou correr atrás. O objetivo é voltar a ser vice-líder nesse horário, mas a longo prazo.
Censura interna
Eu sei que é muito difícil falar de religião na Record, pelo fato de ter uma igreja associada à empresa. Então, não estou mexendo nisso.
Beijo gay virou a Atlântida, um mito. Todo mundo fala que vai fazer, mas nenhuma empresa aprova. Tem um personagem gay, um alfaiate, é bicha à moda antiga, disfarça, não quer que o bicheiro descubra. Ele vai virar a figura paterna de um garotão. Mas beijo gay, nem discuto. Tem muita gente na fila.
Descamisados
Os descamisados foram uma novidade nos anos 1980. Pergunta para o João Emanuel [Carneiro]. Naquele subúrbio de "Avenida Brasil" [Globo] ninguém usava camisa. Fiz isso como uma oposição à mexicanização. No Rio, as pessoas estão muito mais relaxadas, de chinelo. As mulheres usam shorts sim, elas não estão de tailleur. Todo mundo me copiou.
TV por assinatura
Meu contrato com a Record me libera para produzir para a TV paga. A qualidade média dessas novas séries brasileiras é baixa. Os textos, ruins. Não adianta ter um puta diretor se o roteiro não for bom. Pagam cenário, figurino, mas odeiam pagar autor. Não vou ter saúde para escrever novelas daqui a alguns anos. Não sei como Manoel Carlos [Globo] vai fazer uma nova, aos 80 anos. Torço para que esses seriados deem certo para que, daqui a uns anos, eu possa fazer também.