Folha de S. Paulo


Reportagem de James Agee que inspirou livro clássico é publicada na íntegra nos EUA

Sob encomenda da revista americana "Fortune", em 1936 James Agee (1909-1955) viajou com o fotógrafo Walker Evans (1903-1975) para o Alabama. Ali escolheu três famílias de meeiros brancos que cultivavam algodão e escreveu sobre as suas condições miseráveis de vida. A "Fortune" nunca publicou a reportagem de Agee.

Cinco anos depois, essa experiência no Sul dos Estados Unidos veio à tona com a publicação de "Elogiemos Os Homens Ilustres", livro publicado nos anos 1960 que foi um dos precursores do jornalismo literário e se tornou um clássico desse gênero. Surgiram desde então duas suposições: ou a reportagem de 1936 não foi finalizada ou ela era jornalisticamente impublicável.

O lançamento recente de "Cotton Tenants, Three Families" (Melville House) esclarece a dúvida. Editado por John Summers, o volume reúne a íntegra da reportagem de Agee recusada pela "Fortune", ilustrada com as fotos de Evans.

Summers refuta a hipótese de que o texto não seria jornalístico. "Essa ideia é possível se assumirmos a abordagem tacanha e a hostilidade à boa escrita como prerrogativas do jornalismo", diz.

Editor da revista "The Blaffer", Summers soube da reportagem, guardada na casa de Agee em Nova York, depois de o acervo do jornalista e escritor americano ser transferido em 2010 para a University of Tennessee.

"O manuscrito apresenta um estilo jornalístico praticado nos anos 1930", diz David Whitford, editor da Fortune. "É um grande mistério não ter sido publicado." Para ele, "Cotton Tenants", por ser uma reportagem, difere muito de "Elogiemos Os Homens Ilustres" (que só foi publicado no Brasil em 2009, pela Companhia das Letras), "um livro quase impenetrável, marcado pelos numerosos detalhes, pela poesia, pelo fluxo de consciência e pela meditação espiritual".

Segundo Whitford, a "Fortune" que em 1932 contratou Agee --repórter cuja "orientação política tinha mais a ver com a do Partido Comunista-- não receava propor questionamentos radicais".

MÁ VONTADE

Em uma carta de 18 de junho, redigida dois dias antes de viajar para o Alabama, Agee mencionou "dúvidas consideráveis" sobre "a má vontade da 'Fortune'" em relação à sua reportagem.

"A causa principal da recusa foi a substituição dos editores da revista enquanto Agee estava no Sul", conta Dale Maharidge, professor da Columbia University e ganhador do prêmio Pulitzer por "And Their Children After Them" (1989), livro sobre os descendentes das famílias retratadas em "Elogiemos Os Homens Ilustres". "Henry Luce, o dono da 'Fortune', decidira mudar o tom: não queria mais reportagens longas e sociológicas."

Fundador das revistas "Time" e "Life", Luce promoveu um retrato otimista da classe média e defendeu o intervencionismo externo dos EUA. A linha editorial da "Fortune" visava "exaltar os que contribuíram para a racionalização da indústria e do comércio", escreve Alan Brinkley, biógrafo de Luce.

Agee denunciou em "Cotton Tenants" as injustiças socioeconômicas de um país onde conviveriam "o capitalismo" e "o feudalismo". "Uma civilização que pode existir somente se colocar a vida humana em desvantagem não é digna desse nome", ele afirma na introdução. Agee comparou ao "percevejo" e ao "câncer" quem se aproveita dos outros e acredita estar certo.


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