Folha de S. Paulo


'Ninguém quer ser RoboCop', diz diretor brasileiro José Padilha

O "RoboCop" de José Padilha tem uma questão filosófica a tratar. Não sobre a utilidade de refilmar clássicos modernos, mas sobre o uso militar de "drones", os veículos aéreos não-tripulados, pelos EUA.

O diretor brasileiro apresentou os primeiros trechos do seu remake do filme de 1987 no Comic Con, festival de cultura pop que ocorreu no fim de semana em San Diego.

Primeiras cenas do remake de 'RoboCop' dividem opinião de fãs em San Diego

No novo trabalho, o policial Alex Murphy não morre como no original. Ele vira um policial robô que continua a se relacionar com sua família enquanto combate crimes na Detroit de 2028.

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O novo visual do RoboCop, em filmagem do longa de Padilha
O novo visual do RoboCop, em filmagem do longa de Padilha

A empresa responsável pelo experimento inédito é líder em ciborgues que os EUA mandam para guerras, mas que são proibidos em solo americano. Até surgir a ideia de criar um híbrido.

O uso militar de máquinas não-tripuladas foi bastante comentado no evento deste ano, como no longa "Ender's Game" e na série "Almost Human". Padilha conversou com a Folha sobre "RoboCop", ainda em montagem e com previsão de estreia para fevereiro nos EUA.

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Folha - Quais os desafios de fazer um filme de estúdio?
José Padilha - O "RoboCop" é um filme de US$ 120 milhões [R$ 260 mi]. Com o lançamento, deve terminar em uns US$ 300 milhões. É mais do que o orçamento inteiro do cinema do Brasil num ano. Se bobear, o dobro. E isso tem várias consequências. Me dá uma série de coisas que não tenho no Brasil. Por outro lado, alguém está botando o dinheiro e quer saber que produto é este, se vai vender ou não.

Tem uma troca de ideias, vamos dizer assim, com o estúdio. É natural. Todo filme grande é assim. E isso é verdade para mim, pro [Steven] Spielberg, pro [Martin] Scorsese, para qualquer pessoa envolvida num filme com tanto dinheiro. Essa experiência eu nunca tinha tido.

E como foi a experiência?
O set de filmagem é do diretor, não tem conversa, ninguém te diz o que filmar, para onde apontar a câmera. Consegui bastante tempo de ensaio, e isso ajudou.

Conheci os atores, fomos mudando o roteiro. Mantive meu estilo, improvisei no set, mudei diálogo, cena que tinha diálogo eu filmei sem.

Fiz como era no "Tropa de Elite". Os atores embarcaram, não filmamos engessados, e sim do jeito que você conhece, câmera na mão.

O que o remake vai trazer de relevante?
Meu filme tem uma dimensão política e humana. Política porque explora a questão do uso de "drones". Hoje os robôs são pilotados, mas no futuro o robô será autômato, vai seguir um programa.

Nosso filme se passa no futuro, e os EUA usam robôs para fazer suas intervenções em outros países, mas o público americano não deixa os robôs serem usados em casa.

Nós, brasileiros, sabemos que tem uma dicotomia na política externa americana, o que se faz fora não se faz em casa. E existe um motivo para isso. É a grande questão filosófica do filme. Quando você tem robôs autômatos, não tem mais culpabilidade, elimina a moral e a ética.

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O RoboCop original, do filme de 1987
O RoboCop original, do filme de 1987

E os executivos paravam para ouvir questões filosóficas?
Não. Os caras lá fazendo "Homem de Ferro", por exemplo, não estão discutindo o significado do filme, a discussão é outra. Muitos destes grandes filmes de Hollywood são só para divertir.

Não tenho nada contra, até gosto do primeiro "Homem de Ferro", acho o segundo "Batman" maravilhoso, mas não existe uma questão subjacente, política, filosófica.

E a questão humana do "RoboCop"?
Se você olhar para o Homem de Ferro, o Homem Aranha, esses personagens são vendidos na base do que toda criança quer ser, você cola a audiência no personagem.

No caso deste filme, ninguém quer ser RoboCop. É uma merda ser o RoboCop. Você não consegue trepar com sua mulher, não consegue botar a mão no seu filho. Você é um robô, é um horror. No primeiro "RoboCop", quando Alex Murphy acorda, ele não está mais lá, ele virou um robô. No nosso, não. Ele acorda e está intacto lá.

O que significa que eu tenho como filmar o impacto do sujeito que tem mulher e filho acordando três, quatro meses depois e descobrindo que ele agora é um robô.

Como está o projeto com o Netflix em relação à série sobre Pablo Escobar, "Narco", prevista para 2014?
Estamos escrevendo. Não é exatamente sobre o Escobar, mas ele faz parte. É sobre como o tráfico de drogas evoluiu do Escobar até hoje.

A primeira parte da série é na Colômbia, eles fazem a droga lá e vendem nos EUA. Depois os colombianos passaram a ser produtores e quem distribui são os mexicanos. A TV nos EUA está num momento muito glorioso, muito mais inteligente que o cinema. Muito mais.

Você foi convidado a fazer parte da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas [para aceitar é preciso pagar a anuidade de US$ 250]. Aceitou?
Aceitei, por que não? Vou receber um monte de documentários maravilhosos de graça todo ano para olhar. Existem grandes documentaristas tradicionais na Academia com quem eu vou poder conviver e discutir filmes.


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