Folha de S. Paulo


Diplomata estreia na ficção com obra sobre abismo social no Rio

A trama do romance "Memória da Pedra" está tão entranhada ao Rio de Janeiro que bem parece ter sido escrita ali, entre a Gávea e o Jardim Botânico, onde circula o protagonista, Eduardo.

Mas o escritor Mauricio Lyrio estava a quase 2.000 quilômetros de sua cidade natal quando iniciou a longa gestação deste seu primeiro romance.

"Memória da Pedra" começou a ser escrito em Buenos Aires (2004). A primeira versão foi concluída em Pequim (2007). Revisão e cortes finais foram em Brasília (2010).

Daniel Marenco/Folhapress
O escritor e diplomata Mauricio Lyrio, no Rio
O escritor e diplomata Mauricio Lyrio, no Rio

Lyrio, 46, é diplomata. Hoje já vive em outra cidade, Nova York, onde exerce a função de ministro conselheiro do Brasil junto à ONU.

Deixou o Rio em 1992, ao entrar para a carreira diplomática. É justamente naquele ano em que situa seu livro.

O Eduardo de "Memória da Pedra" é um jovem professor de filosofia obcecado em desvendar a morte dos pais, em um acidente de carro, quando ainda era garoto. Mantém um longo namoro com Laura, embora evite um vínculo mais profundo com ela.

É com essa mesma indiferença que toca sua rotina. Até que certo dia, em um cruzamento do Rio, fica encantado com a sagacidade de Romário, um garoto de rua que usa dos mais criativos estratagemas para conseguir uns trocados.

Do encontro entre esses personagens tão diferentes Lyrio extrai um romance de fôlego e com segurança raros para um iniciante. "A história nasceu das minhas memórias do Rio e dessa sensação latente de violência que afeta seus moradores", diz.

Eduardo e Romário descobrem algumas afinidades ao longo da trama, até mesmo indícios de uma relação pai/filho, mas o livro questiona a todo instante até que ponto a barreira social entre eles pode prejudicar a convivência e a troca de afeto.

Lyrio acalentava o sonho de escrever desde antes da carreira diplomática, mas sentia que necessitava acumular mais leitura e experiência.

"Queria fazer um romance forte, com enredo e personagens sólidos, de cara mais realista. Nunca quis ser um estreante querendo reinventar a literatura", conta.

O primeiro capítulo do livro se chama "O Lugar Incerto entre o Acaso e a Determinação". Parece que a publicação foi mesmo guiada pelos dois, conforme conta Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras, no blog da editora.

Tudo começou em 2010. Schwarcz, em apoio a uma amiga que coordena um grupo de defesa de direitos humanos, resolveu apelar ao governo brasileiro para que evitasse o apedrejamento de Sakineh Mohammadi Ashtiani, a iraniana acusada de adultério e da morte do marido.

Lyrio na época era chefe da assessoria de imprensa do Itamaraty. Por e-mail, eles travaram contato e ficaram íntimos. Um dia Lyrio comentou que escrevia um romance e perguntou se a editora teria interesse em lê-lo.

Três anos depois, "Memória da Pedra" chega às livrarias e revela um autor de talento. Sakineh teve sua execução por apedrejamento cancelada, mas tudo indica que continua presa.

MEMÓRIA DA PEDRA
AUTOR Mauricio Lyrio
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 45 (320 págs.)


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