Folha de S. Paulo


Crítica: Filme 'Branca de Neve' renova prazer de conto de fada

Histórias como "Chapeuzinho Vermelho" e "Branca de Neve" foram tão impregnadas na imaginação que muitos esforços de reinventá-las pouco se fixaram na memória.

Depois que Walt Disney firmou a imagem da segunda personagem em 1937, só mesmo a safadeza da pornochanchada brasileira conseguiu subverter o estereótipo pela paródia, quando, em "Histórias que Nossas Babás Não Contavam" (1979), escalou a mulata Adele Fátima para representar a moça branquíssima rebatizada de Clara das Neves.

A astúcia do "Branca de Neve" realizado pelo espanhol Pablo Berger passa também pela antropofagia cultural. A menina órfã ameaçada por uma madrasta malíssima ressurge travestida de mulher toureira, cercada por uma trupe de minitoureadores numa Espanha de cinema.

Divulgação
Menina órfã ressurge travestida de mulher toureira em 'Brance de Neve', de Pablo Berger
Menina órfã ressurge travestida de mulher toureira em 'Brance de Neve', de Pablo Berger

A opção pelo excesso se traduz num espetáculo baseado na recuperação da linguagem visual do cinema silencioso, feita de ângulos vertiginosos, maquiagens carregadas e atuações exageradas.

O artifício poderia resultar num pastiche semelhante a "O Artista", mas o efeito ganha significados diferentes da ingênua intenção de homenagear o cinema antigo.

"Branca de Neve" parte da condição de que a história é tão conhecida que reproduzir seu texto seria supérfluo. Logo, recontá-la com um investimento maciço na imagem solicita ao espectador um papel colaborativo que inverte o lugar de quem se habituou, desde pequeno, a escutar o conto de fadas dos irmãos Grimm.

Aqui, nós passamos a ser os contadores, enquanto o filme desempenha a função de projetar as imagens. A expectativa deixa de estar ligada com "o que vai acontecer?" e torna-se "como vai ser representada?", renovando pela enésima vez o prazer do texto.

Só faltou programarem o filme em sessão dupla com o mais que extravagante "Branca de Neve" dirigido pelo português João César Monteiro em 2000, um experimento quase sem imagens e só com texto e que começa com o diretor pedindo "suas mais sentidas desculpas ao espectador, aqui e agora transformado em espetáculo". (CÁSSIO STARLING CARLOS)

BRANCA DE NEVE
DIREÇÃO Pablo Berger
PRODUÇÃO Espanha/França/Bélgica, 2012
ONDE Reserva Cultural
CLASSIFICAÇÃO 12 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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