Folha de S. Paulo


Setor cultural apoia nova meia-entrada, limitada a 40% dos ingressos

O setor cultural comemorou a limitação em 40% de meias-entradas para eventos artísticos-culturais (como teatro e cinema) e esportivos no Brasil, aprovada na terça-feira (9) pela Câmara dos Deputados. Já as entidades de defesa do consumidor são céticas em relação a uma eventual redução nos preços das entradas como consequência da mudança.

Para artistas, produtores e empresários ouvidos pela Folha, as três principais consequências da medida serão: barateamento do preço das entradas, melhor planejamento financeiro dos eventos e redução dos prejuízos causados por fraudes no benefício --fator que inflacionaria os ingressos de valor cheio e, consequentemente, as meias.

"Do jeito que está hoje, a meia-entrada deforma a questão do custo e da arrecadação. Há uma avalanche de carteirinha falsa. Essa restrição vai ser um alívio. Ela abre a possibilidade de o ingresso diminuir", afirmou Ana Rúbia, que é diretora de produção do Teatro Oficina.

Ilustrações Caco Galhardo/Editoria de Arte/Folhapress

Quem também vê o projeto com bons olhos é o pesquisador Carlos Martinelli, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autor de estudo segundo o qual não há, hoje, benefício real na meia-entrada (em razão dos preços inflacionados).

Para Martinelli, a cota deve provocar uma diminuição de 30% em relação aos preços atuais dos ingressos para shows, que normalmente têm apenas uma apresentação e não correm o risco de perder público com a mudança.

A ministra da Cultura, Marta Suplicy, afirmou que a pasta "se posicionou a favor do limite de 40%, em benefício da formação cultural da juventude e da produção na área da cultura".

Já especialistas e associações de defesa do consumidor ouvidos pela Folha avaliam que os ganhos financeiros advindos desse novo limite não serão repassados ao público, mas sim absorvidos como lucro.

"É uma medida completamente nociva aos interesses dos estudantes, que foi construída a partir de uma promessa segundo a qual o preço da entrada seria reduzido com a limitação dos benefícios. Mas isso já aconteceu com outras medidas desse gênero e a redução não veio", disse Pablo Ortellado, pesquisador em cultura da USP (Universidade de São Paulo).

FISCALIZAÇÃO

Maria Inês Dolci, colunista da Folha e coordenadora institucional da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), fala em retrocesso de direitos adquiridos.

"Nosso papel é incentivar a cultura entre os jovens do país, e não criar limitações para uma juventude que carece de entretenimento, de equipamentos culturais. Ficou uma situação confortável para empresários e prejudicial para os estudantes", disse Dolci.

O Estatuto da Juventude, que tramita há nove anos no Congresso, deve ser sancionado pela presidente Dilma Rousseff nos próximos 15 dias.

Se isso ocorrer, o projeto restringindo meias-entradas reservadas aos estudantes entre 15 e 29 anos deverá entrar em vigor em até seis meses.

É na etapa de regulamentação desse texto, de responsabilidade do Executivo, que devem ser respondidas dúvidas surgidas durante sua discussão no Congresso. A principal delas é: quem será responsável pela fiscalização da concessão do benefício?

"Essa regulamentação vai ser complicada. Vamos precisar criar um novo sistema de venda de ingressos para atender essa mudança, porque o atual não prevê o bloqueio do ingresso quando chega a uma porcentagem de meia-entrada", afirmou Adhemar Oliveira, diretor de programação dos circuitos de cinemas Cinespaço e Itaú.

Para Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, entidades como o Procon devem assumir um papel importante na fiscalização da nova lei. "Há também as redes sociais, que servem de espaço para a cobrança por transparência e até de fiscalização", disse.

CARTEIRINHAS

O projeto de lei aprovado anteontem não é claro, também, sobre a exclusividade ou não da emissão de carteirinhas por parte da UNE (União Nacional dos Estudantes), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas e da Associação Nacional dos Pós-Graduandos, citadas no texto. Na proposta, elas detêm "preferência" para a função.

Outro projeto de lei que deve ir à votação na semana que vem na Câmara trata da meia-entrada em geral, não só para jovens. Nesse outro projeto, essas entidades terão "exclusividade" na emissão.

Esse ponto é controverso. Deputados dizem que a medida recria um monopólio na emissão da carteirinha de estudantes, que foi extinto em 2001. Já a UNE diz que a atual situação favorece fraudes.


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