Folha de S. Paulo


Escritores Daniel Galera e Jerôme Ferrari analisam suas obras na Flip

Os escritores Daniel Galera e Jerôme Ferrari fizeram na manhã de hoje, na Flip, uma mesa dedicada aos detalhes --narrativos e estilísticos-- de suas obras recentes. No caso de Ferrari, "O Sermão Sobre a Queda de Roma", no de Galera, "Barba Ensopada de Sangue".

Nos dois livros, há uma espécie de investigação sobre como fatos pequenos e banais podem tomar, com o passar do tempo, uma dimensão entre o mítico e o místico.

"Sempre me ocorreu que alguns personagens e fatos que são tidos como extraordinários, caso pudessem ser vistos em retrospecto, acharíamos alguém normal, vivendo uma vida banal", disse Galera a respeito da inspiração para o protagonista de seu romance, que se muda para uma pequena praia do litoral catarinense em busca da história perdida do avô, que virou uma lenda local ligado a um episódio violentíssimo.

Tanto na obra de Ferrari quanto de Galera, a tragédia é algo presente e intransponível.

"Eu entendo que há dois tipos de narrativas para a tragédia. A de quem tinha projetos e se vê impossibilitado de realiza-los ou perde tudo quando os realiza, e a de quem mesmo quando realiza todos os projetos, permanece infeliz e derrotado. Me interesso mais pela segunda", explicou, sobre seu livro que conta da relação entre a história de um avô e um neto, ligados por uma dessas tragédias de quem, apesar de ter realizado algo, segue derrotado.

Outro aspecto comum aos dois livros é a investigação de uma espécie de mal estar permanente dos personagens, cuja reação difere sobretudo no modo como encaram o sofrimento.

Em "Barba Ensopada", o tal mal estar é resumido por uma personagem como "a era do 'tá foda'", que Galera resumiu como sendo o retrato de uma sociedade que, cada vez mais com acesso a informação e capacidade de análise da realidade, termina por se impor sofrimento.

"É raro que as pessoas não se encham se escudos diante de qualquer problema. Se o filho começa a pular, deve estar com DDA, coisas assim. Vivemos uma era em que há explicação para tudo e isso de certo modo pode tornar mais agudo o sofrimento", disse Galera.

Falando sobre influências, Galera comentou não ter pudor algum de usar e confessar inspirações como David Foster Wallace e Cormac McCarthy. Para o francês, autores americanos, e sua noção de perspectiva, e russos.

Falando ainda em pontos de ligação entre os dois autores, os dois foram igualmente publicados por pequenas editoras no começo da carreira.

Galera teve seus dois primeiros livros publicados pela Livros do Mal, no começo dos anos 2000. Segundo ele, a editora, que há alguns anos não publica livros, pode voltar à ativa.

Jerôme comentou a publicação de seu primeiro livro por uma editora regional, de pouco alcance. Segundo ele, serviu para mostra-lo a realidade do mercado editorial e suas dificuldades.

"Foi quando perdi algumas ingenuidades, percebendo como livros de pequenas editoras tem dificuldade de serem resenhados em jornais, como fazem pouco eco. Mas eu continuaria a publicar de todo modo, nem que tivesse que auto publicar, fazer com que as pessoas me lessem", disse.


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