Folha de S. Paulo


Reajam à Copa, diz crítico britânico em mesa da Flip sobre manifestações

Dia mais politizado da mais politizada das Flips, este sábado (dia 6) reuniu três pensadores de esquerda para debater os rumos da política brasileira.

O britânico T.J. Clark, o filósofo e colunista da Folha Vladimir Safatle e o psicanalista Tales Ab'Saber analisaram os protestos sociais iniciados há um mês e suas consequências para a democracia brasileira.

"Estamos vivendo uma volta das políticas às ruas, que é o lugar natural da política brasileira. Não é verdade que nosso país é um país de poucas mobilizações e poucos conflitos sociais. Esses últimos 20 anos foram, na verdade, um hiato na história brasileira", argumentou Safatle.

Ele explicou que neste período a política brasileira se organizou a partir de dois centros de poder: de um lado o PSDB ("responsável pelos interesses da burguesia nacional, do pensamento conservador nacional"), de outro o PT ("que tinha a hegemonia das mobilizações de rua, enquanto, de certa maneira"). Agora, afirma, nenhum dos dois representa mais o que representava.

"Existe uma consciência cada vez mais clara do esgotamento das possibilidades da representação da democracia. As pessoas não se veem mais representadas nas dinâmicas que organizam a vida democrática."

Ele criticou também os que encaram a luta contra a corrupção como uma "pauta conservadora".

"O que as pessoas querem é que o último mensaleiro petista seja enforcado nas tripas do último mensaleiro tucano", disse, sob fortes aplausos da plateia.

Para ele, "o pensamento conservador quer nos fazer acreditar que o aumento da participação popular é um risco da democracia". "Isso é surreal, é um crime".

PASSE LIVRE

Ab'Saber analisou a atuação do Movimento Passe Livre, que detonou movimentações Brasil afora ao protestar contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo.

"Esses meninos começaram em 2005. Se organizaram por oito anos. Eles fizeram um diagnóstico profundo de onde a máquina de nossa democracia falhava."

"Esses meninos sabiam que mais cedo ou mais tarde eles teriam o apoio da totalidade, porque eles de fato estavam com a totalidade", completou.

Para o psicanalista, a escalada do Passe Livre se deu em dois atos. O primeiro em que se colocou a possibilidade de o transporte público ser realmente público.

O segundo quando enfrentaram ação da Polícia Militar de São Paulo, que ele chama de "fascista". "A polícia tem que começar agir dentro da lei, o que não faz desde 1964", comentou.

"Eles venceram a polícia ilegal e ilegítima do Estado de São Paulo. Depois que a PM foi afastada, o movimento se expandiu."

COPA

O crítico e historiador britânico Clark disse que acompanha com muita atenção o que acontece no Brasil.

"É uma demanda simples [baixar a passagem de ônibus] e ferozmente rejeitada pelo Estado capitalista. Eles temem porque isso coloca em xeque todo o mundo social."

O britânico comentou outra reclamação feita em todo o país - os elevados gastos envolvidos na realização da Copa do Mundo. "Nem o Pelé conseguirá espantar essa raiva", disse ele.

"Quem se importa [com a Copa]? O Estado se importa. Nós ingleses ainda estamos nos recuperando das Olimpíadas, do bebê da família real. O Estado se alimenta desse tipo de espetáculo. Reajam a isso", afirmou, sendo muito aplaudido.

REDES SOCIAS

Os papéis das redes sociais na organização das massas também foi analisado.

"Com a internet, aumenta muito a possibilidade de construir uma democracia direta. Isso botou em pânico a esquerda tradicional", disse Ab'Saber.

"Eu espero que a pauta da esquerda mude radicalmente, na direção das massas", completou.


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