Folha de S. Paulo


'Escrever ficção é lidar com um sonho controlado', diz Banville na Flip

No final da tarde deste sábado (4), enquanto manifestantes começavam a se dispersar pelas ruas de Paraty, depois de um dia tumultuado, o romancista irlandês John Banville e a contista norte-americana Lydia Davis debateram a literatura pura e simples, sem interferências políticas.

O assunto só veio à tona numa pergunta do público, perto do final da conversa, mediada por Samuel Titan Jr. Sobre a relação entre política e arte, Banville, autor de "Luz Antiga" (Globo), disse achar que a mistura faz com que ambas resultem mal. "A única obrigação da arte é ser arte, e isso é o que eu faço."

Lydia Davis, autora de "Tipos de Perturbação" (Companhia das Letras), por sua vez, disse achar natural que convicções políticas transpareçam na obra, sem que o escritor tenha isso em mente.

No geral, os dois falaram de suas formações, suas influências e suas histórias com a literatura.

Danilo Verpa/Folhapress
Mesa
Mesa "Os Limites da Prosa" com Lidya Davis e John Banville durante a Flip 2013 em Paraty

Banville contou que começou a escrever com 12 anos e que, por muito tempo, foi "arrogante". "Mais jovem, eu conseguia controlar tudo. Sabia a última frase antes de escrever a primeira. Agora tudo para mim é confusão, a idade não ajuda. Sinto que cheguei a um momento de sonho controlado, que é o que me parece ser o ato de escrever ficção."

Lydia Davis fez a avaliação de que abordava a poesia "da maneira errada" quando era mais nova. "Queria escrever poesia que fosse cheia de coisas verdadeiras. Hoje, é o contrário." Disse também que a idade e a experiência interferiram em sua relação com os contos, forma literária pela qual é mais conhecida.

"Quando comecei a escrever, planejava contos tradicionais, com diálogos, personagens e descrições. Até que chegou um ponto em que achei mais prazeroso fazer algo diferente", disse Davis, sobre seus contos, que hoje chegam a ter apenas duas linhas. "É difícil pensar neles como contos, mas eles têm fio narrativo. Cabe aos leitores continuar a história na cabeça após ler as duas linhas."

É por isso que, ela diz, evita concluir seus contos. "Penso neles como fragmentos de uma história completa, não de maneira negativa, mas começando no meio e terminando no meio também."

E os dois compararam os gêneros pelos quais são conhecidos. A contista Davis disse achar difícil fazer romances porque "você monta um fluxo de linguagem e ideias e, quando começa a trabalhar no dia seguinte, não consegue entrar de novo naquele estado da mente" Banville definiu o romance como uma "forma vulgar, no melhor e no pior sentido da palavra".


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