Folha de S. Paulo


Francês Jérôme Ferrari leva a Paraty sua Córsega sombria

Um paraíso cercado de montanhas, mar azul e botecos por todos os lados.

A paisagem em que o romancista francês Jérôme Ferrari, 44, desembarcou na quarta-feira bem que poderia ser a da Córsega, cenário de seu premiado romance.

Os dias de céu absolutamente azul também ajudam a dar ares mediterrâneos a Paraty, onde Ferrari participa, neste domingo (7), às 13h, de debate na Flip, ao lado do colega brasileiro Daniel Galera.

Em seu sétimo romance, "O Sermão sobre a Queda de Roma", que lhe valeu em 2012 o Goncourt, o mais prestigioso dos prêmios literários franceses, Ferrari põe em cena dois amigos que fogem da vida de jovens intelectuais em Paris para se lançarem na aventura de tocar um bar na Córsega, ilha no Mediterrâneo que é um dos principais destinos turísticos da França.

Mas não se trata, segundo ele, de uma fuga da vida urbana para uma ilha utópica, de preferência no Sul da França, como sonham muitos parisienses.

"Há muita sordidez no romance. O que atrai os personagens são as raízes familiares no sul, não um sonho utópico. É busca de identidade, não moda burguesa."

Siren-Com
O escritor Jérôme Ferrari
O escritor Jérôme Ferrari

A narrativa se tinge de tons sombrios no cruzamento da melhor tradição do romance francês e da filosofia. O título vem diretamente da obra de santo Agostinho, de quem Jérôme Ferrari é tradutor, e é o prisma filosófico pelo qual o conflito é visto.

Mas não é preciso, diz o autor, conhecer a obra de santo Agostinho para ler o seu livro: "Essa seria uma premissa impossível", disse ele em entrevista à Folha. O romance impressiona pela prosa segura e clara.

O conflito vivido pelos personagens repercute algo vivido pelo escritor em sua juventude. "Eu passava o ano letivo na periferia de Paris e as férias no meu povoado na Córsega. Para mim, eram como dois lugares inconciliáveis."

Não por acaso, o conflito só explode quando os dois amigos estão em pleno comando da nova vida na Córsega e se projeta sobre seu passado e o seu futuro.

Ambientada na Córsega de sua infância, quando o autor falava corso com seus amigos, a narrativa não traz nenhum traço de "cor local" ou de regionalismo.

Ferrari explica que isso foi deliberado: "Na França, tudo o que não estiver no domínio da língua francesa é considerado folclórico, regional, portanto não nacional". Não por acaso, o livro não tem palavras em corso nem carrega no exotismo com que o sul é visto em Paris.

O livro sai em uma nova coleção da editora 34, a Fábula, que já na primeira fornada aposta na mistura: romance e ensaio, autores novos e clássicos para serem lidos "de igual para igual".

Organizador da coleção, o crítico Samuel Titan Jr. explica o que conecta um autor como Voltaire a um contemporâneo como Ferrari: "Notei referência ao 'Cândido' no Ferrari. E são textos sobre catástrofes iminentes, recorrentes, ou passadas. Ou ainda em jogo, como no T.J. Clark".

Ferrari é seco ao responder por que quatro de seus sete romances são ambientados em bares: "Ah, disso eu entendo", explica.

Não foi preciso fazer a Ferrari a tradicional pergunta-clichê para os estrangeiros na Flip. Indagado se havia chegado bem a Paraty, ele respondeu: "Cheguei cansado e pensei que seria melhor evitar tomar uma caipirinha, senão eu ia cair no sono. Então pensei: é isso aí, vou tomar uma caipirinha e dormir".


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