Folha de S. Paulo


Eduardo Coutinho debate sua obra e critica partidos e TV em mesa na Flip

O cineasta Eduardo Coutinho, 80, divertiu a plateia da Flip com sua verve ácida e engraçada. Em um debate sobre sua obra, Coutinho destilou frases perversamente divertidas sobre partidos políticos, televisão e religião: "Sou um materialista mágico; não acredito em nada, mas quando o avião está em turbulência, peço ajuda a todos os santos."

Mediada pelo cineasta e crítico Eduardo Escorel, a conversa girou sobre o método de trabalho de Coutinho, especialmente a forma como ele aborda as entrevistas em seus filmes. Escorel selecionou trechos de dois documentários, feitos com 20 anos de diferença - "Cabra Marcado para Morrer" (1984) e "Peões" (2004) - em que Coutinho, de formas diversas, "interferiu" com as respostas dos entrevistados.

Em "Cabra", o diretor interrompe uma entrevista no meio para questionar um integrante da equipe de filmagem sobre um detalhe técnico, o que parece perturbar o entrevistado. "Nunca mais fiz isso", disse Coutinho. "Ficou parecendo que o silêncio do personagem foi provocado pela minha interrupção."

Na segunda cena, Coutinho está ouvindo o relato de um operário sobre a dura vida na fábrica, quando este fica, subitamente, em silêncio. O diálogo é mostrado na íntegra, sem cortes. São 23 segundos torturantes de silêncio, até que o operário faz uma pergunta ao diretor. Disse Coutinho: "Eu sempre me dizia que, um dia, eu precisaria aguentar o sofrimento do outro em silêncio, pelo tempo que fosse, só para ver como aquilo terminaria."

CONTRA TUDO

Bem humorado, o cineasta disparou contra alvos diversos. Sobre a qualidade da programação das TVs, afirmou: "Você liga a TV de tarde e é uma profusão impressionantes de programas para mulheres que ensinam como emagrecer, como engordar, como ficar mais alta, mais baixa, é impressionante. Isso, ou os programas de pastores. Tem pastores de todos os tipos. Se eu fosse eleito ditador, acabava com todas as concessões de TV. Claro que, no dia seguinte, eu seria deposto por todos os evangélicos."

Coutinho, que passou dias internado para tratar de um enfisema, disse que nem a experiência lhe tirou o desejo de fumar. "Fui pra UTI, mas já esqueci como era. Depois que saí, passei um tempo fumando um maço por dia, mas já voltei aos três maços. Fumar me ajuda a pensar, não pretendo parar."

Quando o mediador mencionou o nome "Flipzona", denominação da programação principal do evento, Coutinho perguntou se era o "meretrício da Flip", para gargalhada geral. Também defendeu a extinção de "80% dos partidos políticos, que são de aluguel" e lembrou colunas sobre astrologia que fez, sob pseudônimo Chantecler, para a revista "Piauí", em que sugeria aos leitores ler livros de Foucault pulando as páginas pares e informou que, a partir de determinada data, o signo de Áries "oficialmente, não existia mais."


Endereço da página: