Folha de S. Paulo


Argentino Julio Bocca quer fazer do balé do Uruguai 'cia. da excelência'

Depois de uma carreira de 27 anos sobre os palcos, Julio Bocca, 46, quer transformar o Balé Nacional do Uruguai em companhia de excelência do nível do American Ballet, onde dançou por duas décadas.

É esse esforço cotidiano o que se verá na abertura do Festival de Joinville, no próximo dia 17, onde o argentino --hoje diretor artístico da companhia-- exibirá os frutos de seu trabalho à frente de 60 profissionais, vindos de todas as partes do mundo e sediados em Montevidéu.

O Ballet Nacional del Sodre (BNS), mantido pelo governo do Uruguai, levará à cidade catarinense um espetáculo com três coreografias: "Sinfonietta", de Jirí Kylián; "In the Middle Somewhat Elevated", de William Forsythe, e "Sagração da Primavera", com música de Stravinsky e coreografia de Oscar Araiz. O BNS também chega com sua estrela, o espanhol Ciro Tamayo, de 19 anos.

Magdalena Gutierrez/Folhapress
O argentino Julio Bocca, diretor do Balé Nacional do Uruguai
O argentino Julio Bocca, diretor do Balé Nacional do Uruguai

O traço de união entre as obras escolhidas é que, para além do grau de exigência técnica que impõem, são espetáculos do qual Bocca gosta muito e que respondem a uma seleção intuitiva do argentino, radar que usa, segundo conta, desde o início da carreira.

"Sempre agi assim, trabalhei muito e vou continuar a trabalhar, mas também tive muita sorte: estive no lugar preciso, com as pessoas exatas."

Em setembro, o BNS volta ao Brasil com "O Lago dos Cisnes", em turnê que passará por Salvador, São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro, capital que viu Bocca ocupar, aos 15 anos, o posto de primeiro bailarino do seu balé municipal. "Tenho lembranças muito lindas da cidade. Agora, é necessário deixar bem claro: vou como diretor artístico, não vou dançar", enfatiza, bem-humorado.

O argentino começou a dançar aos quatro anos, com a mãe, Nancy, e se despediu dos palcos no final de 2007.

"Não sinto falta de dançar. Tive o suficiente. Amo a dança, mas essa etapa está superada e está tudo bem", diz ele, que se tornou o primeiro bailarino do American Ballet aos 18 anos, a convite de Mikhail Baryshnikov.

SEMPRE ALERTA

Como diretor artístico, Bocca afirma que o que lhe interessa é que o balé possa avançar no nível de complexidade. Como professor, diz exigir dos seus alunos-funcionários a mesma dedicação que exigia de si mesmo.

"Aqui todos têm a mesma possibilidade. Já vi muito na vida, muitos talentos, mas aprendi que nem sempre a primeira impressão é a que vale. É preciso ver como o bailarino reage com o público, com a adrenalina, com outro companheiro no palco. Ninguém tem nada garantido."

Magdalena Gutierrez/Folhapress
O Ballet Nacional del Sodre, que se apresenta no Festival de Joinville
O Ballet Nacional del Sodre, que se apresenta no Festival de Joinville

Para o paulista Fabio Gonçalves dos Santos, 23, e a carioca Taís Diana Duarte de Faria, 25, essa noção de competitividade faz com que cada um observe as qualidades do companheiro e tente incorporar o que o outro faz de melhor. O espírito, dizem, não é de rivalidade, e sim de esforço e alerta.

Com o BNS, Bocca tem contrato assinado até 2015. Sua missão é a de resgatar uma companhia com 78 anos de existência. "Minha meta é que ela chegue ao nível do American Ballet, do balé da Ópera de Paris e do Kirov."

"Primeiro aprendi a dançar, depois a caminhar. A caminhar pela vida. Com a dança, aprendi a estar sozinho. Mas há uma hora em que você vê que há coisas que devem ser compartilhadas", diz. "Estou feliz com meu trabalho, com a vida que tenho, com minha vida afetiva. Aprendi a viver a vida conforme ela vem vindo."


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