Folha de S. Paulo


Mesa sobre protestos populares no Brasil é a mais aplaudida da Flip

A primeira das duas mesas extras abertas pela Flip para debater os protestos populares nas ruas do Brasil, realizada na noite desta quinta (4), foi a mais aplaudida do evento até agora.

Sob o título "Narrar as Ruas", o debate reuniu o jornalista espanhol Juan Arias, correspondente do jornal "El País" no Brasil, o poeta Fabiano Calixto, autor da coletânea de poemas "Vinagre", inspirada pelos protestos, o escritor e diretor teatral Marcus Faustini, que está preparando um filme a partir das manifestações, e Pablo Capilé, coordenador da rede Fora do Eixo, que tem entre seus integrantes a Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) e a Pós-TV, que ganharam fama com suas coberturas on-line das manifestações.

Arias, que comparou o Brasil a "um adolescente rebelde" em artigo recente, disse sentir-se "muito orgulhoso" do que viu nas ruas do país recentemente.

"Me sinto orgulhoso porque o Brasil acordou, recuperou sua voz e está fazendo perguntas ao poder. Depois disso, nunca mais vai ser o mesmo. Uma sociedade que pergunta, está salva. O poder tem de ouvir o que está sendo perguntado, pois não vai servir de nada dar respostas para coisas que a rua não está perguntando", disse o espanhol, em uma de suas muitas observações que foram calorosamente aplaudidas pela plateia.

"Nos últimos dez anos, no exterior, só se falava do Brasil como uma maravilha, onde os pobres viajavam de avião e com hospitais tão bons que quase dava vontade de estar doente para poder ir para eles", disse, provocando risos no auditório, composto em sua maioria por pessoas mais velhas.

"É verdade que o país cresceu, mas faltava alguma coisa. Que país é esse em que milhares saem para defender os direitos gays, em passeata para Jesus, em marcha para a maconha, mas ninguém saía para protestar?"

O espanhol também afirmou que, diferentemente dos protestos na Europa, em que a população foi às ruas para reclamar de benefícios sociais que lhes haviam sido retirados, no Brasil as pessoas foram pedir "coisas que nunca tiveram" e citou exemplos de discrepâncias na distribuição de renda. "Uma professora precisa trabalhar dez anos para ganhar o mesmo que se gasta em um mês com um deputado", disse, em um dos momentos mais aplaudidos da noite.

Tão ovacionado quanto Arias foi Pablo Capilé, que falou sobre a "crise de intermediários", iniciada com a música a partir do declínio das grandes gravadoras, e que, hoje, estaria na imprensa, "pega de calças curtas quando deveria estar apresentando novas soluções", como fizeram o coletivo Ninja e a Pós-TV. Ele citou o fato de os coletivos terem enviado recentemente um repórter para cobrir a crise no Egito, com a viagem financiada de forma colaborativa.

"Não existe mais fora, só existe dentro. Hoje a gente tem uma plataforma que está no mesmo lugar do desejo dessa geração, a internet", disse o coordenador do Fora do Eixo. "A gente abandonou uma série de agendas nos últimos anos porque elas perderam a mística, perderam o contato com a juventude.

O Estado não consegue entender o que está acontecendo nas ruas, a Dilma tem tido uma dificuldade imensa de entender o que está acontecendo. Nunca antes na história desse país teve tanta gente fazendo avaliação de conjuntura. As fichas caíram todas ao mesmo tempo", disse Capilé.

EXTINGUIR A POLÍCIA
Marcus Faustini acrescentou ao debate uma crítica à repressão policial. "A polícia está pouco preparada para a democracia neste país. Não sabe lidar com passeata e mata dentro da favela. Nós precisamos mudar, extinguir essa polícia."

O diretor afirmou que o momento atual "é uma oportunidade única de reinventar o pacto social" e que as manifestações não são apenas uma crítica aos políticos, mas ao "grande capital", que recebe incentivos do governo e atenção exclusiva dos políticos.

"É engraçado as pessoas falarem que o movimento é insustentável quando o governo apoia o empresário mais insustentável desse país", disse, em referência a Eike Batista, levando a plateia ao riso.

Segundo Faustini, não há motivo para temer os protestos populares. "Quando se percebeu que este era um movimento expressivo, todo mundo passou a tentar capturar essa potência. Por medo da multidão, passaram a tentar dizer o que ela é, quem é vândalo. Só está com medo quem tem nostalgia da disciplina, quem quer controlar, dizer como deve ser."

Falando sobre a coletânea de poemas que organizou, Fabiano Calixto disse que ela surgiu como uma manifestação de solidariedade aos atingidos pela repressão policial nas passeatas de São Paulo.

"Fiz duas edições, primeiro com 70 poetas, depois com 175, e assinamos como 'um bando de vândalos', para dar novo significado político e poético à palavra que vinha sendo usada para desqualificar parte das manifestações."

Ele também leu três dos poemas que fazem parte do livro (disponível gratuitamente no blog meupedelaranjamecanica.wordpress.com) e afirmou que o movimento popular nas ruas deve aumentar.

"A partir do momento em que acaba a mediação entre o poder político e o povo, a tendência é que os movimentos sociais se organizem cada vez mais, para haver cobranças cada vez maiores e o enfrentamento ficar cada vez mais forte."


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