Folha de S. Paulo


Com a Casa Folha lotada, Laerte fala de humor e "cura gay"

A Casa Folha, em Paraty, ficou lotada na tarde desta quinta (dia 4) para receber o cartunista Laerte.

Meia hora antes do início, já não havia mais lugares disponíveis --e do lado de fora a fila também era extensa.

Com mediação do repórter da Folha Paulo Werneck, Laerte comentou sua carreira, sua militância na causa gay e transgênera e o humor no jornalismo.

Laerte, que se autointitulou "um cara não muito engraçado", começou a se vestir com roupas femininas há cerca de quatro anos. A mudança não foi apenas comportamental --ele passou também a reavaliar a própria carreira e o uso do humor em seu trabalho.

"Uma das coisas mais sutis e elaboradas da cabeça humana é o humor. Mas hoje me pergunto o que há por trás da risada, do gozo. Quem fez sexo com essa gozada? Muitas vezes o humor se baseia no arsenal de preconceitos que as pessoas têm", comenta.

"Dessa reflexão pode surgir aquela questão: devemos botar limites no humor? Acho que não, censura não cola, mas acho que devemos manter a mente aberta e crítica."

Outro tema de destaque na conversa foi o polêmico projeto da "cura gay", aprovado pela Comissão de Direitos Humanos, presidido pelo pastor Marco Feliciano, mas arquivada nesta terça pela Câmara.

"O Feliciano fez questão de colocar na pauta a questão da cura gay porque comanda a comissão. Mas isso não é vitória nenhuma, é só uma provocação", protestou.

"Essa questão da liberdade sexual assusta os conservadores. Coitadinhos, eles ficam assustados e reagem assim", ironizou, sob fortes aplausos do plateia.

DITADURA

Laerte fez parte de uma geração de cartunistas (ao lado de Glauco e Angeli, entre outros) que revolucionou a produção de quadrinhos no Brasil nos anos 1970 e 1980 com um humor corrosivo e críticas contundentes à ditadura militar e à sociedade.

"A Folha teve muita importância nesse sentido. Dificilmente teríamos essa mesma liberdade em outros veículos", avalia.

"Nos anos 1970 a gente achava que todo humorista era contra a ditadura, portanto o humorista era legal, do bem. Mas a vida foi andando, a ditadura foi derrotada. Pro cartunista, a coisa ficou mais complicada. Isso instalou a complexidade --o mundo não era preto e branco. E a comicidade também não é só a voz do bem."

Relembrando o período do início de sua carreira, comparou sua militância na época com a que exerce hoje.

"Antes fui militante no sentido comunista, mas era uma construção ideologia que não estava no meu íntimo. Hoje milito em uma questão que está no meu íntimo: a homossexualidade, a liberdade, a transgeneridade."

Travestir-se sempre foi um ato comum nos quadrinhos de Laerte, mas ele conta que demorou a perceber que também gostaria de repetir a experiência na vida real.

"Acho que sempre tive esse lado. Demorei para descobrir porque sou sonso mesmo", contou, provocando gargalhadas na plateia.


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