Folha de S. Paulo


Opinião: Flip adota visão jeca ao ignorar língua hispânica

Na última edição da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (México), em novembro passado, o escritor carioca Bernardo Carvalho folheava a imensa programação do maior encontro de literatura hispânica do mundo e dizia: "Não conheço ninguém!".

Carvalho está longe de ser um não-leitor e sua erudição e talento são mais do que reconhecidos. O que o episódio demonstra é uma realidade concreta: o Brasil está a léguas de distância de entender, interessar-se e familiarizar-se com a produção literária de língua hispânica.

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Mais um exemplo disso virá à tona no próximo dia 3, quando terá início mais uma Flip. A badalada festa, que reúne, além de escritores, editores, intelectuais, pseudointelectuais, jornalistas e afins, abrirá suas portas neste ano sem ter em sua programação nem ao menos um representante de um idioma falado por 500 milhões de pessoas no mundo todo.

A festa, que em anos anteriores recebeu nomes como o argentino Cesar Aira, o colombiano Fernando Vallejo, o espanhol Vila-Matas, o chileno Alejandro Zambra, neste ficará sem ouvir o idioma de Macondo e Santa María --cidades imaginárias criadas por Gabriel García Márquez e Juan Carlos Onetti.

A organização certamente argumentará questões logísticas, sem admitir um desinteresse ou intencionalidade.

O fato é que ficam evidentes a falta de canais, conhecimento, interesse e um excesso de arrogância em relação à qualidade que pode ter a produção de países vizinhos.

Na cultura brasileira, ainda prevalece a visão jeca de que o que é bom é imitação do que é feito nos EUA e na Europa. A Flip vinha sendo exceção com relação a essa postura. Em 2013, infelizmente, se enquadrará no lugar-comum.

Além de dois Nobel de literatura vivos (Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa) e de nomes como Miguel de Cervantes e Jorge Luis Borges, o espanhol movimenta hoje um mercado singular.

Nele, cabem tanto seguidores do cânone dos anos 1970 como questionadores dessa tradição (escolas Macondo e Crack). Há ainda toda uma geração inspirada no chileno Roberto Bolaño, que questiona formatos e promove uma prosa inventiva, e um grupo de novos cronistas, que mescla ficção e jornalismo e dá novas cores a antigas lutas sociais.

É preciso levar em conta, ainda, a literatura hispânica produzida nos EUA, por nomes como o premiado dominicano Junot Díaz.


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