Folha de S. Paulo


FHC diz não ter feito campanha e vê eleição para a ABL como reconhecimento intelectual

Considerado favorito desde que sua candidatura à Academia Brasileira de Letras foi anunciada, em março passado, o ex-presidente Fernando Henrique, 82, disse, de forma bem-humorada, que sua vitória no pleito desta quinta (27) foi seu melhor desempenho eleitoral --ele teve 34 dos 39 votos possíveis.

"Não há eleição fácil, mas o resultado foi o melhor", disse o novo imortal, em entrevista à Folha por telefone.

Fernando Henrique Cardoso confirma favoritismo e é eleito para a ABL

"Custei muito tempo a aceitar a hipótese de ser candidato lá para não haver confusão entre meus papéis político e intelectual. Agora já passou tempo suficiente e você vê que o resultado foi bom. Não houve o que eu sempre quis evitar, que é a politização numa questão que não é política."

Além dos 34 votos em FHC, houve uma abstenção e quatro votos em branco. Sobre estes, o vencedor disse que são "mais do que normal". "Eles ainda tiveram a gentileza de votar em branco, não votar em outrem." Outros dez candidatos, sem renome, disputaram a cadeira nº 36 com o ex-presidente.

"Não fiz campanha. Mandei alguns trabalhos meus para todos, mas não fiz campanha, porque acho que é daquelas grandes questões: ou as pessoas acham que você tem mérito, ou não acham."

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Folha -Como o sr. pretende participar da rotina da Academia?

Fernando Henrique Cardoso - Eu estou à disposição, naturalmente dentro das minhas limitações de idade e de agenda. Tenho vindo ao Rio com alguma frequência, por causa dos meus familiares que moram aqui. No mês de agosto vou participar de um ciclo de debates organizado pelo José Murilo de Carvalho sobre a questão nacional. Acho que isso é importante, quanto mais for possível que a Academia se preocupe com as questões nacionais, de um ponto de vista não partidário, melhor.

Que papel a ABL pode ter no debate político atual, levado às ruas pelos manifestantes?

Acho que aí deve haver um certo recato, um momento político circunstancial não cabe à Academia. O que cabe é pensar em termos mais globais, não conjunturais.

Como professor, nunca misturei a cátedra com posição política. A cátedra é algo que obriga você a um certo parâmetro de objetividade, de olhar os vários lados com atenção. É óbvio que a Academia não é uma cátedra, mas algo disso tem que haver. Tem de haver um debate amplo, respeitoso, mas não dogmático nem doutrinário.

A ABL é vista por alguns como uma instituição presa ao passado e ao formalismo, desconectada do mundo atual.

As instituições que têm aspiração a perdurar têm que ter algum ritual. Agora, é sempre importante um equilíbrio, uma janela aberta para a renovação. Esse equilíbrio não pode significar a ruptura do ritual, mas não pode deixar de se modernizar. Esses debates que o Zé Murilo está organizando, aos quais eu me referi, são um bom exemplo de como a Academia pode discutir temas que são contemporâneos. O que atrai as pessoas é a mensagem, muito mais do que a forma.

O ex-vice-presidente Marco Maciel disse que o sr. pode ajudar na internacionalização da ABL, por seu destaque no mundo todo.

Tenho muitas ligações internacionais, se eu puder ajudar nesse sentido, vou cumprir meu papel. Pertenço à Academia de Ciência de Lisboa, à Academia Americana de Ciências e Artes, a vários grupos, como o do Mandela [The Elders]. Mas há vários outros acadêmicos que também têm relações internacionais, sobretudo na literatura, como a Nélida Piñon, o João Ubaldo, há vários.

O sr. é o terceiro presidente da República a participar da ABL, mas o primeiro a ser eleito após o mandato. Vê isso como uma aprovação do seu trabalho?

Não, não interpreto os votos recebidos lá em termos políticos, é um reconhecimento do meu trabalho intelectual. Certamente há muitas opiniões políticas discordantes da minha lá e, não obstante, tiveram a generosidade de me aceitar, a despeito disso.

Eu queria evitar justamente o que fizeram com o presidente Juscelino [Kubitschek], que quis ir para a academia e não deixaram, injustamente [o ex-presidente perdeu a vaga por um voto, nos anos 70, após pressão da ditadura]. Dessa vez acho que a academia separou bem os papéis. Respeito a opinião política de todos, e estou feliz porque não houve nenhuma forma de pressão exercida por mim ou por meus colaboradores. Pode ter havido o entusiasmo de alguns amigos, mas não só dos meus colaboradores [de seu governo].

O sr. já sabe que temas pretende abordar em seu discurso de posse?

Eu sou prudente, não dou passo antes das pernas, agora é que eu vou pensar nisso. Uma das dificuldades que eu tinha em apresentar meu nome lá era o fato de que eu sou uma pessoa de atividade científica, um intelectual público que se mete em muitas questões, mas não sou um homem de letras. Meu discurso tem que ser mais centrado no que eu sou, no que penso, como eu vejo o Brasil e o mundo hoje.

Eduardo Knapp/Folhapress
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

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