Folha de S. Paulo


Novo Almodóvar parece 'Zorra Total' hispânico

Como deve ser difícil para um cineasta conquistar o status de "autor".

Pedro Almodóvar, coitado, criou um universo e o sobrecarregou com um estilo. Agora, precisou fazer um filme forçadamente ruim para demonstrar que tem liberdade para mudar de rota ou indicar que pretende.

Divulgação
Carlos Areces lambe uma panturrilha, assistido por Cecilia Roth, em cena de 'Os Amantes Passageiros'
Carlos Areces lambe uma panturrilha, assistido por Cecilia Roth, em cena de 'Os Amantes Passageiros'

A aparição especial de Antonio Banderas e Penélope Cruz na cena de abertura de "Os Amantes Passageiros" serve para ninguém se confundir. "Sim, este deve parecer um filme de Almodóvar, por isso estamos aqui", confirmam os atores-fetiche das duas fases do cineasta.

Depois de quase 20 anos dedicando-se a revisitar a sofisticação do melodrama, o diretor espanhol retoma a veia cômica e, sobretudo, escrachada de seus primeiros filmes para se despojar do que o seu percurso confundiu com assinatura.

O problema passa a ser: qual o sentido de refazer em 2013 a "porra-louquice" de 1980?

Porque não se vive mais de um dia só de nostalgia, o filme também se lê como uma alegoria, um tanto óbvia, da crise espanhola.

Numa entrevista ao jornal inglês "The Observer", Almodóvar reiterou que pensou a comédia como uma "metáfora de uma Espanha que não sabe para onde vai, não sabe onde aterrissar, quem vai estar no comando ou quais serão os perigos".

Para que todo mundo entenda, o país é um avião em pane em pleno voo, a tripulação age feito barata tonta, apaga os passageiros da classe econômica e droga os da executiva, enquanto os personagens centrais variam entre mulheres alteradas à la Maitena, machos acuados e gays que entram em combustão a cada homem que veem.

Desde a primeira cena, um momento pastelão protagonizado por Banderas e Cruz, o humor está mais para "Zorra Total" do que para "Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos" (1988).
Rimos das primeiras piadas com conteúdos sexuais, mas, depois de tanto se repetir, o recurso fica bobo e se esgota.

A escolha de três gays ultracaricatos como os comissários determina um resultado que reitera o velho estereótipo da bicha louca. O efeito "camp", anárquico, fica explícito quando o avião se torna palco para uma dublagem de "I'm So Excited", das Pointer Sisters. A cena, pensada como se os Irmãos Marx ressurgissem num palco de boate gay, beira o constrangimento.

O final, embalado pela batida irresistível de "The Look", do Metronomy, mostra que Almodóvar quis brincar desta vez de artista "vintage". Pena que o máximo que conseguiu tenha sido fazer um filme velho. (CÁSSIO STARLING CARLOS)

OS AMANTES PASSAGEIROS
DIREÇÃO Pedro Almodóvar
PRODUÇÃO Espanha, 2013
ONDE Eldorado Cinemark, Espaço Itaú - Augusta e circuito
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ruim


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