Folha de S. Paulo


Hollywood tenta minar acordo para tornar livros mais acessíveis a cegos

Negociadores de 186 países estão em Marrakech tentando redigir o texto de um tratado internacional para tornar obras com copyright mais acessíveis à população cega do mundo, que se concentra no Hemisfério Sul.

O tratado, que está em discussão desde 2008 na Organização Mundial de Propriedade Intelectual, deve ser finalizado até o final desta semana, segundo observadores. Mas o conteúdo do texto, que visa eliminar restrições ligadas a direitos autorais de obras publicadas nas versões para cegos, tem sido objeto de intensa pressão por um dos mais poderosos lobbies dos Estados Unidos: Hollywood.

"A administração de Obama tem um relacionamento extremamente íntimo com a indústria do cinema no que diz respeito a essas negociações", disse James Love, diretor da Knowledge Ecology International, organização sem fins lucrativos com escritórios em Washington e Genebra.

Love está por trás do recente pedido de informações que revelou a extensa comunicação entre a indústria de cinema e o escritório de marcas e patentes dos Estados Unidos, que comanda a delegação americana na negociação.

Com o pedido, foram reveladas 142 páginas de e-mails mandados em apenas dois meses. "A indústria cinematográfica está tentando manobrar a posição do governo americano em um tratado envolvendo pessoas cegas", disse Love.

Representantes da indústria contrataram advogados para dar conselhos sobre o texto do tratado e os e-mails mostraram que essas orientações foram encaminhadas para o escritório de patentes.

Obras audiovisuais com copyright, como filmes, nem serão incluídas no acordo, que se limita a obras impressas. Mas nem sempre foi assim.

Em junho de 2011, vários países - incluindo os EUA e membros da Comunidade Europeia - encaminharam uma proposta sugerindo que o tratado para deficientes visuais incluísse copyrights de obras "em qualquer mídia".

Mas, em julho de 2012, os negociadores começaram a argumentar sobre a definição das obras que seriam incluídas no tratado. A frase "em qualquer mídia" foi colocada entre colchetes, indicando que era um ponto de desacordo entre os participantes. A frase limitando as obras a "textos, anotações e/ou ilustrações relacionadas" foi incluída, também entre colchetes. As obras audiovisuais saíram de cena.

Para Love, o impacto dessa mudança, que ele diz ter sido conduzida pelos Estados Unidos, é enorme. "Se há um vídeo de treinamento ou educacional, você não pode mexer nele para torná-lo acessível às pessoas cegas."

Entre os grupos que estiveram ativamente se comunicando com o governo americano estão a Paramount Pictures, a Time Warner, a Warner Brothers e, especialmente, the Motion Picture Association (MPA), que representa os interesses de Hollywood.
Chris Marcich, diretor das operações da MPA na Europa, no Oriente Médio e na África, afirma que a associação não tem uma relação promíscua com os políticos americanos. "O governo dos Estados Unidos tenta equilibrar as posições dos vários envolvidos, e nós somos um deles", disse Marcich.

Ele afirma que a associação está simplesmente interessada em garantir que o tratado atenda a todos os interessados. "Se as leis de copyright forem frouxas demais, podem ser usadas por pessoas interessadas em algo além do benefício aos cegos - talvez uma empresa comercial queira ganhar dinheiro em cima das exceções previstas no acordo", disse Marcich.

Mas muitos delegados de países em desenvolvimento temem que, no final, as regras do tratado fiquem complexas demais para serem aplicadas de fato.


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