Folha de S. Paulo


MinC quer turbinar imagem do país criando CEUs no exterior

Começa nesta segunda-feira (17), em Marrakech, no Marrocos, uma conferência da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) que propõe a 186 países um tratado de direitos autorais, apresentado por Brasil, Equador e Paraguai, para facilitar o acesso à leitura de deficientes visuais.

O documento, baseado em lei vigente no Brasil e em outros 46 países, isenta as obras vertidas ao braile de pagar direitos autorais. Países que assinarem o acordo deverão criar dispositivos para verter livros ao braile sem essa cobrança, além de liberar seu trânsito internacional.

"Uma vez que a obra esteja em braile aqui, por exemplo, a entidade pode exportar gratuitamente esta versão", explica a ministra da Cultura, Marta Suplicy, que representará o Brasil na conferência. "Isso é 'soft power'."

Pedro Ladeira/Folhapress
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, posa para retrato em seu gabinete em Brasília
A ministra da Cultura, Marta Suplicy, posa para retrato em seu gabinete em Brasília

"Soft power" (poder "suave", em tradução livre) é um conceito das relações internacionais --criado por Joseph Nye, cientista político de Harvard-- que denota a capacidade de um país de influenciar e persuadir por meio de seu poder de inspiração e atração, em vez de militar.

À Folha, em 2010, o acadêmico afirmou que o Brasil tem um "soft power" natural graças ao apelo de sua cultura.

Marta parece ter tomado a análise como meta e afirma, à Folha, que pretende construir CEUs das Artes no exterior e que o investimento do governo na Feira Internacional do Livro de Frankfurt (R$ 18,9 milhões), em setembro, não é muito quando visto pelo prisma do "soft power".

Leia trechos da entrevista.

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Folha - O conceito de "soft power" é abstrato. O que esperar de palpável do investimento do MinC nessa direção?
Marta Suplicy - É algo tão palpável como Hollywood foi para os Estados Unidos.

Os países que entenderam isso criaram institutos para divulgar sua cultura pelo mundo. A China tem mais de mil institutos Confúcio. O Instituto Goethe está no mundo inteiro. A identidade brasileira já tem uma marca. E o ministério se esforça para expandir essa marca.

De que maneira?
Os Pontos de Cultura, iniciados na gestão Gilberto Gil, já se expandiram pela América Latina. Isso faz parte da estratégia. Há hoje 250 pontos de cultura na Argentina.

MinC pretende criar CEUs das Artes no exterior também?
Sim. O de Portugal vai ser o primeiro. Foi alugado um espaço enorme para o ano do Brasil em Portugal [encerrado na semana passada] e estamos avaliando as possibilidades com o Itamaraty. Aí não precisamos investir tanto. Outro deve ser em Londres, na entrada da embaixada do Brasil. Agora estamos vendo a programação.

O Brasil não precisa mais desses espaços do que outros países?
Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Essa é uma forma de investir no "soft power" brasileiro. O CEU das Artes no Brasil é para ajudar a população que não tem acesso à cultura. Serão 360 e farão uma parceria com o Vale-Cultura porque vão qualificar o gasto do trabalhador.

Como está a construção desses CEUs das Artes no Brasil?
Vamos inaugurar cem neste ano. Estamos capacitando os gestores que vão atuar nesses locais. Até agora, inaugurei um no Paraná. Os outros estão sendo erguidos em ritmos diferentes. Cada um desses aparelhos custa R$ 1,65 milhão.

E qual é o custo de manutenção dos CEUs das Artes?
A manutenção fica por conta das prefeituras. Eu gostaria que o projeto dos CEUs das Artes incluísse manutenção pelo MinC. Mas eu primeiro preciso construir e depois ver como conseguir dinheiro para manutenção.

O MinC vai investir R$ 18,9 milhões na Feira Internacional do Livro de Frankfurt, evento em que o Brasil é homenageado. Não é muito dinheiro?
A Argentina investiu R$ 20 milhões em 2010. A Catalunha, R$ 39 milhões em 2007. A Índia, R$ 12 milhões em 2006. Depende de que país você fala e do quanto quer aparecer. É uma média razoável porque temos de representar o Brasil da melhor forma possível.

Isso é "soft power".

O novo presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Renato Lessa, criticou o fato de a projeção internacional da nossa literatura estar sendo bancada por verbas públicas.
Não vou comentar o que já está. Se, numa próxima oportunidade, não precisar ser assim, vai depender da avaliação dessa experiência. Pode ter sido um gasto desnecessário, um erro. Imagino que não, mas pode ser.

Se o projeto fosse feito na sua gestão, a sra. pensaria numa contrapartida do mercado?
Mais recurso é sempre bem-vindo.

O Fundo Nacional Pró-Leitura, alimentado por 1% do lucro das editoras brasileiras e gerido pelo MinC, seria uma forma de contrapartida?
Acho boa ideia. Temos de ver como proceder. O [José] Castilho [Marques Neto, secretário-executivo do Plano Nacional do Livro e Leitura] tem essa posição. Concordo. Essa negociação ocorrerá em algum momento.


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