Folha de S. Paulo


Aquecido à força de lei, mercado de TV paga enfrenta um apagão de mão de obra

A TV por assinatura no Brasil está numa situação semelhante à do protagonista do filme "Quero Ser Grande" -dorme certo dia com o corpo de um adolescente de 12 anos e desperta no outro com a envergadura de um adulto.

E sofre para se adaptar.

TV paga busca soluções para adaptação à lei sem subir preço

O salto, no caso da realidade brasileira, deve-se à Lei da TV Paga, que abriu o mercado de televisão por assinatura às empresas de telecomunicação e impôs cota de canais e conteúdo nacionais nos pacotes das operadoras.

Caco Galhardo/Editoria de Arte/Folhapress

Os efeitos da lei, aprovada em 2011, são tema do Fórum Brasil de TV, que acontece hoje e amanhã, em São Paulo.

A cota para programação brasileira, que a partir de setembro atinge o pico previsto na lei --3h30 no horário nobre (18h às 24h)-- aqueceu o mercado, mas o pegou desprevenido para o aumento repentino da demanda.

O PROBLEMA DOS "ES"

"Nossos problemas são os 'es': equipe, estúdio, equipamento, elenco", diz Paulo Ribeiro, proprietário da Locall, locadora de infraestrutura para filmagens, como estúdios, trailers e equipamentos.

Ribeiro diz que, antes da lei, "atendia muito pouco a séries de TV, porque elas eram feitas pelas emissoras, que têm equipamento".

Em 2012, diz ele, a Locall forneceu infraestrutura para a gravação de sete minisséries. Neste ano, já atendeu a cinco. Pela primeira vez nos 29 anos da empresa, Ribeiro recorreu a um financiamento para expandir. Emprestou R$ 1,25 milhões do BNDES.

"Estimamos crescer 30% em 2013 se nos adaptarmos adequadamente para atender à demanda", afirma.

Atenta ao aquecimento da produção audiovisual, a Prefeitura do Rio pretende investir R$ 100 milhões na construção de um complexo de 14 estúdios, com 27 mil m², para estar pronto em julho de 2016.

Também indicativa do aumento do volume de dinheiro no mercado é a estimativa do Fundo Setorial do Audiovisual de ter R$ 870 milhões para gastar neste ano.

Em 2012, o fundo investiu R$ 205 milhões em projetos de cinema e TV. Parte da arrecadação do fundo vem de taxa do mercado, a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional).

A dificuldade de encontrar profissionais é sentida tanto por empresas neófitas quanto pelas gigantes do setor. "Você não acha mais montador, fotógrafo, eletricista", diz o cineasta Fernando Meirelles, cuja O2 Filmes realiza trabalhos para GNT ("Beleza SA"), HBO ("Destino - Rio") e Fox ("Contos do Edgar").

"O primeiro time [de profissionais] está completamente ocupado. Aí você tem que apelar para um segundo time e para uma molecada que está estreando." Ele avalia que, "daqui a dez anos, vamos ter excelentes técnicos. Estamos formando uma geração".

A carência mais citada, contudo, é a de roteiristas familiarizados com a narrativa das séries de TV.

Além de lidar com o chamado "apagão técnico", os produtores convivem com o que Roberto d'Avila, da Moonshot Pictures ("Sessão de Terapia"), chama de "movimentos contrários do mercado".

Enquanto "há uma inflação dos custos de produção, porque a demanda por profissionais é maior que a oferta disponível," existe também "uma pressão dos canais pela diminuição dos preços, já que eles têm que produzir uma quantidade maior de horas com orçamento inelástico", afirma o produtor.

Após "Sessão de Terapia", o GNT agregou mais quatro séries nacionais a sua grade, com "resultado surpreendente", segundo a diretora do canal, Daniela Mignani.

Dados de audiência mostram, segundo ela, que "essas séries estão à frente de programas consolidados da TV por assinatura".

O presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Manoel Rangel, que fará a palestra de abertura do Fórum, não ignora os gargalos na aplicação da lei.

"Há um esgotamento da capacidade de mão de obra técnica para a produção. Precisamos ter mais roteiristas e mais formatos, além de um sistema de financiamento menos rígido e mais ágil", disse Rangel a representantes do audiovisual paulista.

A morosidade do Fundo Setorial do Audiovisual para analisar e aprovar projetos, assim como para liberar recursos, é vista por agentes do mercado como entrave ao seu desenvolvimento. A Ancine planeja reestruturar o fundo.

FÓRUM BRASIL DE TV
QUANDO terça e quarta (4 e 5/6), às 9h30
ONDE Centro de Convenções Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569, 4º andar, Consolação, tel. 0/xx/11/ 3138-4600)
QUANTO R$ 1.625


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