Folha de S. Paulo


"Jerusalém é onde o homem encontra Deus", diz o historiador Simon Sebag Montefiore

Jerusalém foi, por milênios, a ambição de impérios e de profetas, testemunhando a marcha de exércitos ao longo das linhas sangrentas da história para conquistá-la.

Essa cidade é, hoje, a ambição também do historiador britânico Simon Sebag Montefiore, que tomou para si a tarefa, digamos, bíblica de narrar em um livro os milênios de história desse ponto polêmico do mapa-múndi.

Foram três anos de pesquisa compilados em 832 páginas, na edição lançada no mês passado no Brasil pela Companhia das Letras.

Assim, Montefiore concluiu sua visão particular da cidade cujo nome "chamusca os lábios como o beijo de um serafim", segundo o poema clássico de Naomi Shemer, "Jerusalém de Ouro", cantado por Roberto Carlos em sua passagem pelo país.

"Foi a coisa mais difícil que já fiz", diz à Folha. "Eu não dormi por três anos, porque tinha medo de deixar alguma informação de fora."

Montefiore narra milhares de anos de história, dos assentamentos cananeus à gestão do atual premiê de Israel Binyamin Netanyahu.

"É um desafio tornar essa história legível", diz. "Tive de encontrar um novo modo de escrever sobre a cidade."

Menahem Kahana - 24.fev.12/France Presse
Arco-íris registrado no monte das Oliveiras, em Jerusalém
Arco-íris registrado no monte das Oliveiras, em Jerusalém

Foi uma sequência de decisões. Em primeiro lugar, escrever o que chama de "biografia" da cidade --a história das pessoas que estiveram ali. Daí vem outra escolha, que é a de costurar a narrativa por meio das famílias locais, como as dinastias do rei israelense Davi ou do sultão egípcio Saladino.

"Quis encontrar um jeito de contar a história das pessoas, e não apenas das pedras, das igrejas, dos castelos", diz."Além disso, uma história enorme como a de Jerusalém fica mais empolgante com dinastias como a de Herodes [polêmico rei judeu, submetido a Roma]."

Para isso, deixou de lado as teorias da historiografia que estudou em Cambridge, como a micro-história de Carlo Ginzburg ("O Queijo e os Vermes"), a favor de seu talento distintivo: a habilidade de contar uma boa história.

"É uma combinação de estudo acadêmico com a velha narrativa, além da habilidade de selecionar o que escrever. Também precisei estar atento ao que as pessoas comuns querem ler. Eles adoram amor, adoram morte."

Amor e morte não faltam nas histórias dos líderes dessa região, quer fossem eles macabeus ou omíadas, que lutaram pela cidade que está na base do judaísmo, do cristanismo e do islamismo.

"Jerusalém é onde o homem encontra Deus", diz Montefiore. "Essa crença é herdada. Quanto mais tempo o local for sagrado para alguém, mais sagrado vai ser para os outros. É infeccioso."

A sacralidade, porém, contamina as páginas de "Jerusalém - A Biografia" com controvérsias. O rei Davi de fato existiu? Salomão construiu um templo? O testículo de Herodes explodiu com vermes? E mais --a quem essa cidade pertence, hoje?

As perguntas ficam em aberto, com as discussões detalhadas no rodapé. Mas a linha principal da narrativa segue tendências --por exemplo, tratar Davi como um personagem histórico.

"Existe uma literatura imensa sobre cada linha que escrevi. Teorias, conflitos, contradições. Tive de ler tudo e decidir o que acredito que aconteceu", afirma.

O leitor, assim, tem de ficar atento às notas e referências para identificar as passagens mais controversas.

Além disso, há de se notar que em alguns trechos a variedade de fontes é baixa. Apesar da extensa pesquisa evidenciada na bibliografia, partes do livro parecem baseados em trechos da Bíblia ou em relatos do historiador judeu Flávio Josefo (séc. 1).

"Isso não significa que aceitei tudo o que Josefo escreveu como verdadeiro", diz Montefiore. "Analisei tudo para decidir se é correto, de acordo com outras fontes."

Parte de uma família judaica historicamente ligada a Jerusalém, Montefiore --cujo antepassado Moses Montefiore financiou a construção de um moinho icônico da cidade-- decidiu escrever a biografia da cidade porque "você tem de escrever sobre suas obsessões".

Entre pesquisas e visitas frequentes a Israel, ele ouviu da mulher a brincadeira de que é um portador da síndrome de Jerusalém, obsessão relacionada à cidade.

"É uma cidade difícil para se trabalhar. As pessoas são rudes. Há implicações militares e políticas em tudo. Agora, estou tirando folga de Jerusalém", afirma Montefiore.

Mas o interesse por Jerusalém, diz, não é exclusivo seu. "Todos são nativos de Jerusalém. Todo brasileiro, inglês, alemão. Todos têm uma visão de Jerusalém. Se você perguntar a uma mulher indo para a igreja em São Paulo, ela vai descrever a Jerusalém ideal que pensa existir. É uma fantasia universal."


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