Folha de S. Paulo


Comércio de arte gira milhões de dólares sem controle

Segundo a nota colada ao caixote que chegou de Londres ao Aeroporto Internacional Kennedy, em Nova York, o pacote continha uma pintura sem título no valor de US$ 100 (cerca de R$ 200).

Mais tarde, investigadores descobriram que a obra era do artista americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) e que valia US$ 8 milhões (cerca de R$ 16 milhões).

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A pintura, conhecida como "Hannibal", foi levada para os EUA em 2007, segundo autoridades, por um brasileiro acusado de estelionato.

O confisco do quadro foi uma vitória no caso de lavagem de dinheiro e fraude de bilhões de dólares de que é acusado Edemar Cid Ferreira, ex-banqueiro brasileiro que teria convertido parte de seu butim em uma coleção de 12 mil obras.

De acordo com especialistas, "Hannibal" é uma de milhares de obras de arte usadas por criminosos para ocultar lucros ilícitos e transferir ativos ilegalmente.

Como outras técnicas tradicionais de lavagem de dinheiro passaram a ser vigiadas, contrabandistas, traficantes e negociantes de armas recorrem, cada vez mais, ao opaco mercado de artes.

Trata-se de um mercado em que vendas de milhões de dólares são realizadas ao redor do mundo em sigilo e virtualmente sem supervisão.

Isso significa que "você pode fazer uma transação em que o vendedor é listado como 'coleção particular' e o comprador como 'coleção particular'", diz Sharon Cohen Levin, chefe da unidade de apreensão de ativos do Departamento da Justiça dos Estados Unidos.

"Em qualquer outro setor, ninguém poderia se safar com isso", afirma Levin.

Governos de todo o mundo tomaram medidas para esclarecer as atividades ilegais.

Em fevereiro passado, a Comissão Europeia aprovou regras que exigem que galerias relatem transações com mais de 7.500 euros em dinheiro (cerca de R$ 19.800). Os EUA também exigem que todas as transações em dinheiro de US$ 10 mil (cerca de R$ 20 mil) ou mais sejam relatadas.

No livro "Money Laundering through Art", o juiz brasileiro que presidiu o caso Ferreira, Fausto De Sanctis, pede regulamentação e diz que, se cassinos e negociantes de pedras preciosas devem relatar atividades financeiras suspeitas, negociantes de arte e casas de leilão deveriam fazer o mesmo.

Mas, para negociantes e seus clientes, o sigilo é crucial para a mística e a prática do mercado de arte. A Associação de Negociantes de Arte dos EUA refutou a ideia de que usar arte para lavar dinheiro seja sequer um problema.

Em Nova York, vítimas dos golpes do advogado Marc Dreier continuam lutando no tribunal por obras que ele comprou com parte dos US$ 700 milhões (cerca de R$ 1,4 bilhão) roubados de fundos de investimentos.

No momento, 28 obras de artistas como Matisse, Warhol, Rothko e Damien Hirst estão sob custódia do governo federal americano.

A obra "Hannibal" também está apreendida. A obra de Basquiat, de 1982, fazia parte de uma coleção espetacular que Ferreira reuniu enquanto controlava o Banco Santos no Brasil.

Em 2004, o império de Ferreira desmoronou e, em 2006, ele foi condenado a 21 anos de prisão por fraude, evasão fiscal e lavagem de dinheiro. Ele recorre do veredicto.

Segundo o juiz De Sanctis, antes de sua prisão, obras de arte da coleção de Ferreira, no valor de mais de US$ 30 milhões (cerca de R$ 60 milhões), foram contrabandeadas para fora do Brasil.


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