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Mercado de valores flutuantes e transações secretas da arte atrai crime

Não é tão simples transformar recursos ilícitos em dinheiro limpo. Mas a arte, da mesma forma que o esporte e o setor imobiliário, tem se tornado cada vez mais atraente para o crime organizado.

Isso porque transações nesse meio são cercadas de segredos, valores de obras flutuam de acordo com tendências e gostos do momento e obras, distintas de dinheiro vivo, não são alvo do mesmo rastreamento que operações financeiras e não costumam ser entregues como pagamento a cúmplices.

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Fausto De Sanctis, juiz federal autor de um livro que sairá nos Estados Unidos no mês que vem sobre a prática de lavagem de dinheiro por meio da arte, detalha a receita básica do crime, enumerando os três passos adotados por esses criminosos.

Editoria de Arte/Folhapress

Na primeira etapa, os recursos ilegais são escondidos. Na segunda, o dinheiro é transferido para queimar pistas sobre sua origem, em geral, para fora do país em algum paraíso fiscal. Por fim, esse dinheiro é reintegrado à economia pela compra de bens lícitos, que podem ser uma fazenda ou uma tela de Jean-Michel Basquiat.

No caso, um quadro do artista americano avaliado em R$ 16 milhões, que teria sido enviado pelo ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira a Nova York --ele nega que qualquer obra de sua coleção tenha sido mandada ao exterior--, deve voltar em breve a São Paulo depois de um acordo firmado entre a Justiça do Brasil e dos Estados Unidos.

Essa tela foi comprada por Cid Ferreira por R$ 1,7 milhão e hoje já vale quase oito vezes mais. Isso mostra como é difícil precisar valores desses bens e, por outro lado, como não surpreende que cifras sejam revisadas sempre para cima num mercado ávido por obras-primas da arte.

De Sanctis afirma ainda que, com ou sem a passagem do tempo, preços podem ser alavancados de modo artificial nas casas de leilão.

Um exemplo é o vendedor da obra contratar um laranja para dar lances cada vez mais altos numa peça durante o leilão e arrematar, para o próprio dono, uma obra então superinflacionada, mascarando seu dinheiro ilegal.

Em momentos de crise, como a quebra do Banco Santos ou a prisão de uma quadrilha do tráfico, essas obras são mandadas para fora do país sem levantar suspeita, como objetos no correio.

"Qualquer tela pode ser enrolada num canudo e você embarca num avião com milhões de dólares nos braços", diz De Sanctis. "É uma forma de manter um patrimônio com liquidez importante."

Ele lembra o caso do traficante Juan Carlos Ramírez Abadía, preso há cinco anos. "Chamou a atenção um traficante investir pesado em obras de arte", conta. "Eram milhões de dólares em telas do Botero. Isso mostra que esses objetos eram transportados e vendidos para cobrir despesas, pagar advogados."

Aliás, Botero, o pintor colombiano famoso por suas figuras gordinhas, acabou virando um queridinho de traficantes para esse fim, e muitos agentes de mercado atribuem a hipervalorização de suas obras à ação criminosa.

Embora existam normas internacionais para coibir esse tipo de crime, elas não listam a arte como um possível canal usado por criminosos.

No Brasil, onde a legislação prevê sanções específicas contra a compra e a venda de arte para fins de lavagem de dinheiro, o problema, segundo De Sanctis, é que autoridades fazem vista grossa e não investigam os casos com o "tratamento devido".

Em seu livro, o juiz indica algumas possíveis soluções para o problema, entre elas apertar a fiscalização das formas de pagamento, muitas vezes feitos em dinheiro vivo.

PRAIA OU MOTEL

Embora De Sanctis centre fogo nas casas de leilão como possíveis canais de lavagem, Sotheby's e Christie's enviaram notas à Folha sobre suas medidas para coibir o crime.

"É contra a política da Sotheby's aceitar pagamentos em dinheiro acima de US$ 10 mil", diz a casa. A Christie's afirma que tem um programa antilavagem de dinheiro e que aceita pagamentos apenas de "clientes cujas fontes de renda são tidas como legítimas após uma análise".

Jones Bergamin, da Bolsa de Arte, uma das maiores casas de leilão do Brasil, diz que vendas desse tipo não são o melhor caminho para lavar dinheiro, já que "deixam muitos rastros". "É como transar com a amante na praia, onde todo mundo vê, ou ir para um motel, onde ninguém vê." (SILAS MARTÍ)

MONEY LAUNDERING THROUGH ART
AUTOR Fausto De Sanctis
EDITORA Springer
QUANTO US$ 129 (228 págs.)


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