Folha de S. Paulo


Dupla celebra dez anos de parceria com o filme "Bonitinha, mas Ordinária"

O filme "Bonitinha, mas Ordinária", que estreia nesta sexta-feira (24), marca uma década de parceria entre o produtor Diler Trindade e o diretor Moacyr Góes, uma das duplas mais assíduas do cinema brasileiro pós-Retomada (de 1995 para cá).

Crítica: Escolhas equivocadas comprometem adaptação

Juntos, fizeram dez filmes, levaram milhões de espectadores aos cinemas e um punhado de críticas negativas.

O currículo da dupla traz produções com padre Marcelo Rossi ("Maria, Mãe do Filho de Deus" e "Irmãos de Fé"), Xuxa ("Xuxa Abracadabra", "Xuxa e o Tesouro da Cidade Perdida") e Angélica ("Um Show de Verão").

Divulgação
Os atores João Miguel que interpreta Edgar) e Letícia Colin (Maria Cecília) em cena do filme
Os atores João Miguel que interpreta Edgar) e Letícia Colin (Maria Cecília) em cena do filme "Bonitinha, mas Ordinária"

Agora, com a adaptação da peça de Nelson Rodrigues, a dupla almeja um novo rumo em sua trajetória. Fora o primeiro filme que fizeram juntos, "Dom" (2003), inspirado no romance "Dom Casmurro", o novo trabalho é de longe o melhor roteiro que já levaram para a tela.

"Sinto como se fosse meu primeiro filme. Nos trabalhos anteriores, trabalhei sempre como diretor contratado, não tinha autonomia", comenta Góes. "Mas desta vez a ideia de fazer o filme partiu de mim. É meu projeto mais autoral no cinema."

A "estreia" de Góes, porém, teve uma trajetória tortuosa. "Bonitinha" foi todo filmado em 2008, mas esperou cinco anos para chegar às salas de cinema. Terminadas as filmagens, não havia mais dinheiro para montar e lançar o longa.

"Foi muito difícil captar o orçamento do filme. Nunca tinha passado por isso. Esse sistema de renúncia fiscal, em que as empresas escolhem em que vão investir, está tornando o cinema muito pudico. Elas acabam decidindo o que vai ser produzido ou não", reclama Diler.

"Há um preconceito grande contra Nelson Rodrigues. As grandes empresas não querem investir em temas polêmicos, pesados. Só querem comédias leves. Então, a gente só conseguiu um dinheiro picado aqui, outro acolá. Foi muito difícil, tive que fazer um empréstimo no banco para não interromper o trabalho", completa.

A produção só voltou aos trilhos quando recebeu um apoio de R$ 500 mil da Petrobras. O filme custou quase R$ 4 milhões.

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QUESTÃO ÉTICA

"Bonitinha, mas Ordinária" conta a história de Edgar (João Miguel), um rapaz pobre que certo dia recebe a proposta milionária de se casar com Maria Cecília (Letícia Colin), a filha de seu patrão, o doutor Werneck (Gracindo Júnior). A jovem foi estuprada e a família tem pressa em casá-la para abafar o caso.

Acontece que Edgar gosta de Ritinha (Leandra Leal), jovem também pobre que, secretamente, prostitui-se para sustentar a mãe e a irmã.

O dilema de Edgar, entre o dinheiro e o sentimento verdadeiro, é reverberado por uma frase do escritor Otto Lara Resende que ele não cansa de repetir: "O mineiro só é solidário no câncer".

Góes transpôs a peça, lançada em 1962, para o Rio dos dias de hoje. A trilha sonora incorpora o rap e o estupro de Maria Cecília acontece em uma favela, depois de um show de funk.

Embora o tabu da virgindade pareça deslocado em uma história realista situada nos dias de hoje, Góes comenta que o ponto central da peça é a ética.

"A peça continua muito atual porque trata da crise de valores. O grande tema é saber se Edgar vai ser honesto ou se vai recorrer a meios escusos para subir na vida."

O diretor argumenta que as adaptações das obras de Nelson Rodrigues no cinema sempre ficaram muito presas ao sexo e que, para distanciar-se disso, procurou enfatizar os conflitos dos personagens.

"Bonitinha" teve duas versões anteriores para o cinema, uma logo em 1963 e outra em 1981. Nesta última, ficou famosa a cena em que a Maria Cecília interpreta por Lucélia Santos é estuprada por cinco negros.

Na atual versão, Letícia Colin também aparece nua na cena, a mais forte do filme.

ESTRANHO CASAL

Quando começaram a trabalhar juntos, há dez anos, Diler Trindade e Moacyr Góes pareciam uma dupla das mais improváveis.

Diler ganhou fama como produtor de filmes populares de pouca, ou nenhuma, ambição artística: "Lua de Cristal" (1990), com Xuxa e Sérgio Mallandro, "Sonho de Verão", com as paquitas da Xuxa, e "Inspetor Faustão e o Mallandro" (1991), novamente com Mallandro, mas desta vez em parceria com o apresentador Fausto Silva, entre outros.

Já Góes destacou-se nos anos 1980 no teatro experimental. Era o diretor de peças que propunham a desconstrução da narrativa e da interpretação do elenco.

Encenou textos de Bertolt Brecht, Georg Buchner, Sófocles, Franz Kafka, August Strindberg. Ganhou os prêmios Shell e Molière, dois dos mais importantes do teatro brasileiro.

Apesar de trajetórias tão díspares, eles garantem que a relação sobrevive sem rusgas.

"Eu adoro trabalhar com diretores de teatro", afirma Diler. "Eles realmente compreendem os atores, sabem trabalhar com eles. E o Moacyr é um grande companheiro, generosamente vem trabalhando comigo."

Já Góes afirma que a década no cinema foi de grande aprendizagem. "Eu sempre tive muito interesse pelo cinema. Quando o Diler me convidou, percebi a oportunidade de estar no set, aprender muito e ganhar bem."

Contudo, o diretor diz ter sofrido muito com as críticas quase sempre negativas que seus filmes receberam na imprensa. Ele fala, com ironia, que foram "bombardeados monstruosamente".

"Mas não me arrependo de nada. Tentei sempre fazer o meu trabalho da melhor maneira possível. Nunca me imaginei dirigindo a Xuxa, por exemplo, mas fui e encarei. E foi tudo tranquilo, ela não me deu trabalho algum. Mas é claro que sempre tive a clareza de estar fazendo um filme da Xuxa, não um Tennessee Williams."

Diler e Góes tem mais uma produção em andamento, aparentemente também de maior estofo artístico. Trata-se de "Leporella", adaptação de uma obra do autor austríaco Stefan Zweig.

Depois disso, Góes planeja ser o produtor dos próprios filmes e dedicar-se a projetos mais pessoais.

Parte para a nova fase com uma intenção nada modesta, que, de certa forma, tenta conciliar sua trajetória no teatro com a do cinema: "Quero fazer cinema autoral e vender muito ingresso".

BONITINHA, MAS ORDINÁRIA
DIREÇÃO Moacyr Góes
PRODUÇÃO Brasil, 2008
ONDE Anália Franco UCI, Metrô Santa Cruz Cinemark e circuito
CLASSIFICAÇÃO 16 anos


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