Um ano após o grupo de rap Racionais MC's ter gravado o clipe da música "Marighella" em um edifício ocupado por sem-teto na rua Mauá, no centro da cidade, jovens que vivem na ocupação voltam a ver seus ídolos se apresentando no palco Júlio Prestes, na Virada Cultural.
Depois de encontrar os Racionais de perto durante as gravações, William Santana dos Santos, 23, líder da juventude do MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro de São Paulo), foi ao seu primeiro show da banda.
"Não entendi muito bem a letra do 'Marighella', não. Mas gosto muito de 'Negro Drama'. Eles cantam as músicas que refletem realidade da periferia e do centro. Tem tanta música que não fala nada, né?".
Santos, que largou a escola na primeira série do ensino médio para trabalhar em uma distribuidora, hoje se dedica integralmente ao movimento de luta por moradia. Ele é auxiliar administrativo da ONG Apoio - Associação de Auxílio Mútuo da Região Leste, que atende a população de rua em São Paulo, e dá aulas de capoeira nas ocupações do MSTC.
O vendedor Erenilton Leite da Silva, 26, também milita na Juventude do MSTC. Ele veio de Xique-Xique, no interior da Bahia, direto para a ocupação da Mauá há cinco anos. "Gostei de mudar para cá, porque aqui o pessoal reivindica o seu direito. O ser humano não é bicho bruto para viver na rua."
Para ele, os pontos altos do show do Racionais na Virada foram "Negro Drama" e "Marighella". "Teve uma hora que o Mano Brown pediu para que todos que estivessem desempregados levantassem a mão. E todo mundo levantou! Acho que era mentira, aqui em São Paulo, só fica desempregado quem quer".
O estudante Rafael Lourenço Costa, 16, apontou como o momento mais marcante do show a fala de Mano Brown sobre a violência na Virada. "Ele disse que não era só a polícia que estava errada mas também os bandidos. Contou da covardia que ele viu, de dez caras roubando uma pessoa só", disse Costa, que morou na ocupação desde o início, em 2007.
CLIPE
"Acho que eles [sem-teto] têm que lutar mesmo. Não tem que demarcar território para A, B ou C. Se eles estão vivendo aqui, eles têm que continuar aqui. E o rap deve ajudar. Eu sei que eu tenho um peso e que eu posso colaborar", disse o líder dos Racionais MC's, Mano Brown, em entrevista concedida à Folha durante a gravação do clipe na Mauá, em maio do ano passado.
"A gravação foi meio em 'off' porque senão a gente não teria como controlar a entrada no prédio. Meus colegas de outros movimentos de sem-teto me xingaram quando souberam que os Racionais gravaram aqui: 'pô, chamasse só eu!'", conta o orientador sócio-educativo Adriano Alves da Silva, 33.
À época, as 247 famílias que vivem na ocupação estavam ameaçadas por uma ação de reintegração de posse, determinada pela Justiça a cinco dias de os sem-teto conseguirem a posse definitiva do imóvel por usucapião.
Hoje, a desocupação está suspensa por uma liminar, e o MSTC encaminhou à prefeitura um projeto para transformar o edifício em uma habitação social.