Folha de S. Paulo


Jovem fica 12 horas em DP para recuperar tênis roubado na Virada, mas sai descalço

"Tá todo mundo falando da polícia, do sistema, mas eu vi maluco ramelando e roubando. Os malandrão (sic) roubaram o Mizuno de um moleque que custa 900 paus. Quem aqui ganha isso por mês?", perguntou Mano Brown, do Racionais MC's, na tarde de ontem ao comentar os arrastões que ocorreram durante a Virada Cultural.

Na mesma hora, o conferente de supermercado Fábio Viana, 24, estava descalço na delegacia. Ele tentava recuperar seu par de tênis modelo Mizuno Wave Criation, que ele diz ter pago "quase R$ 1.000".

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Viana foi uma das centenas de pessoas que foram aos distritos policiais da cidade durante a madrugada após terem suas roupas, celulares, correntes de prata e carteiras arrancadas à força por grupos de ladrões que agiam no chamado arrastão.

Letícia Moreira/Folhapress
Fabio Viana, que foi assaltado durante a Virada Cultural
Fabio Viana, que foi assaltado durante a Virada Cultural

Eram quadrilhas de até cinquenta jovens que cercavam as vítimas e arrancavam tudo. Quem resistia levava chutes e socos no chão.

Nas delegacias, era comum ver jovens só de bermuda ou calça jeans. "Me levaram tudo. Só sobrou a calça. E ainda me deram soco e chute na cara", afirmou o estudante E., 17, que veio de Osasco, Grande São Paulo, para a Virada Cultural. Ele passou a madrugada na delegacia, de braços cruzados, para tentar se proteger do frio.

Viana estava no 2º DP (Bom Retiro) às 5h de ontem quando viu um dos cerca de quinze envolvidos nos arrastões detidos pela PM. Olhou para os pés de um dos ladrões e disse: "é o meu tênis".

Passou a manhã e a tarde na esperança de recuperar os pisantes dos quais Mano Brown havia falado no show -- o músico pediu paz e chamou os atos de "covardia".

Quase doze horas depois, o rapaz concluiu que o calçado não era o dele, mas um parecido.

Às 18h30 ele saiu da delegacia a pé em direção ao trem rumo a Itaquera (zona leste), onde mora. Descalço.


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