Folha de S. Paulo


Sob olhar de Haddad, Mano Brown critica roubos: "Rap precisa de caráter"

Seis anos após ter ser seu show marcado por uma confusão entre Polícia Militar e público, os Racionais MC's fizeram o show mais aguardado da nona edição da Virada Cultural.

A apresentação, que deveria começar às 15h, teve início 20 minutos antes. Um dos motivos para a antecipação é que às 16h, acontece a final do campeonato paulista entre Santos e Corinthians, e Mano Brown é santista fanático.

Antes do show, o público levantou uma faixa enorme com os dizeres: "Chega de extermínio nas quebradas", em clara provocação à polícia.

O ponto alto do show dos Racionais foi o discurso feito por Mano Brown, sob olhar do prefeito Fernando Haddad (PT-SP).

"Estive ontem de noite aqui, sou da rua, vi muita covardia nas ruas do centro. Todo mundo fala da polícia, do sistema, mas eu vi vários maluco ramelando, roubando", disse Brown.

"Os malandrão roubaram o Mizuno de um moleque, custa R$ 900. Quem aqui ganha isso por mês? O que eu vi ontem tá longe de ser evolução. O rap precisa de gente de caráter, não de malandrão", disse Brown, sob muitos aplausos.

A apresentação dos Racionais teve policiamento maior do que no show anterior no mesmo palco, realizado por Criolo. A dispersão do público foi rápida após o fim da apresentação.

"Estou sabendo de tudo que aconteceu [morto e baleados]. Mas ainda estou me inteirando do balanço para falar sobre tudo." O prefeito disse que deve se pronunciar às 18h30.

Ao fim do show, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) saiu correndo atrás de Brown, para parabenizá-lo pela apresentação. O rapper comentou o furto sofrido pelo senador e quis saber se ele recuperou a carteira. "Eu tinha acabado de passar no caixa eletrônico. Estava com R$ 500. Só recuperei os documentos. Nada de dinheiro ou celular", disse Suplicy.

Por volta das 20h deste sábado, Suplicy subiu no palco Júlio Prestes, no intervalo entre os shows de Daniela Mercury e Gal Costa durante a Virada Cultural, para dizer que havia sido furtado e que queria o celular, o cartão de crédito e a carteira de habilitação de volta.

"Roubaram a minha carteira. Eu não preciso nem que devolvam o meu dinheiro, mas eu preciso dos meus documentos e da minha habilitação". Em seguida, ele apalpou os bolsos e completou: "Acabei de perceber que o ladrão foi tão ladrão que roubou também meu celular."

Cerca de 15 minutos depois, ele subiu novamente ao palco para agradecer, pois seus documentos haviam sido encontrados. "Se puderem devolver meu celular e meu cartão de crédito...", pediu o senador.

No palco Santa Ifigênia, o rapper Afro-X também falou da violência: "Acho que o que aconteceu é reflexo do que a gente vive na sociedade. Não é um problema só da virada. A violência está banalizada porque as pessoas não conseguem ver alguém que não conhecem como ser humano. Está faltando respeito. O cara já sai de casa mal-intencionado, e a droga é uma das causas desses problemas."

MORTES E ARRASTÕES

Até as 14h do domingo (19), quatro pessoas haviam sido baleadas, cinco esfaqueadas e 25 pessoas presas, de acordo com a secretaria estadual. Ao todo, 3.400 policiais militares trabalham nos locais da Virada.

Na madrugada deste domingo (19), durante a Virada, um homem morreu atingido por um tiro na avenida Rio Branco, segundo a polícia. Elias Martins Morais Neto teria reagido a um assalto e foi atingido na cabeça por volta das 5h. A vítima foi levada à Santa Casa, mas não resistiu.

Um outro homem morreu na Santa Casa, vítima de uma parada cardíaca após ter sofrido uma overdose. Cinco pessoas foram atendidas com ferimentos por armas brancas no pronto-socorro do hospital.

Policiais militares ouvidos pela Folha disseram que foram registrados inúmeros casos de arrastões durante a madrugada. A reportagem flagrou pelo menos onze deles: nas avenidas São João, Ipiranga, Rio Branco e Duque de Caxias, dois na praça da República e outro no viaduto Jaceguai --onde, por volta das 2h30 da madrugada, dezenas de assaltantes desceram a partir da avenida São Luís.

A reportagem esteve entre as 2h e 3h no 3º DP (Campos Elíseos) e constatou pelo menos 15 casos de vítimas.

Policiais militares informaram que pelo menos 15 jovens foram detidos como suspeitos dos arrastões, a maioria deles menores de idade.

Em todos os casos, a descrição é a mesma. Grupos de aproximadamente 50 pessoas passavam abordando os frequentadores da festa e, após agressões, arrancavam à força celulares, carteiras, bonés e blusas.

"Arrancaram meu boné, meu tênis e minha carteira. Me chutaram quando estava caído. Levei um chute no rosto", disse o estudante C., 16, enquanto era atendido na delegacia.

O ajudante de serralheiro Jeferson Silva, 19, foi agredido antes de ter o celular e o boné roubados. "Eles chegam gritando 'olha o bonde' e roubam tudo", disse Silva, roubado quando saía de um dos palcos em direção ao metrô, acompanhado de três amigos. Todos foram roubados.

"Chegavam, arrastavam a gente mesmo, juntavam e e arrancavam tudo, corrente, tênis, carteira", disse o conferente Fabio Viana, 24. "A gente vem para se divertir e acaba sem nada".

Na maioria dos casos, os policiais de plantão nas delegacias orientam a fazer o registro da ocorrência pela internet, pois os crimes são considerados furtos. Porém houve casos de pessoas que foram rendidas por pessoas armadas.

"Pior é que está cheio de PMs nas ruas. É muita gente, impossível evitar", disse um PM à Folha.

RECLAMAÇÕES

Participantes da Virada vítimas de ladrões reclamaram do policiamento. "Os PMs ficam nas viaturas, nas esquinas. Não estão a postos para evitar os roubos. Só nos orientam a fazer o boletim de ocorrência. Na delegacia, querem que a gente registre pela internet", disse Stefani Fernanda, 21, enquanto aguardava por informações no 3º DP.

Ela afirma que foi roubada quando aguardava um ônibus no ponto da avenida São João. "Estavam armados. Pediram o celular e a carteira e eu dei. Roubaram outros que estavam no ponto também", disse ela, que mora no Jaraguá (zona norte).

Nas redes sociais, a falta de segurança também foi alvo de críticas. "Se você não quer ser roubado na Virada Cultural faça o seguinte: não vá", escreveu um usuário do Twitter. "Atenção você que está na Virada Cultural: Pare de ver o Twittter senão vão roubar seu celular", escreveu Gentili na rede social. O humorista se apresentou na abertura do evento na praça da Sé.

Já Marcelo Tas compartilhou notícias sobre a violência também no Twitter.

O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que também foi vítima de furto, chegou a subir no palco no sábado pedir seus pertences de volta.

"Uma pena ver um evento tão legal como a Virada Cultural, que levou o paulistano de volta ao centro, tomado pela violência", lamentou o usuário do Twitter Christiano Panvechi.

COLABOROU GISLAINE GUTIERRE


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