Folha de S. Paulo


"Nunca pensei em me aposentar", diz Bernardo Bertolucci em Cannes

Aos 73 anos, o diretor italiano Bernardo Bertolucci poderia ficar em Roma, "recluso", como gosta de se definir. Ao longo dos anos, construiu clássicos como "O Conformista" (1970), "O Último Tango em Paris" (1972), obras cultuadas por gerações diferentes ("Beleza Roubada" e "Os Sonhadores") e ganhou o Oscar de melhor filme por "O Último Imperador" (1987).

Além de não precisar provar mais nada, o cineasta teve problemas com uma cirurgia (que virou três) de hérnia, em 2000, e, hoje, não consegue mais ficar em pé --usa uma cadeira de rodas para se locomover. Ma antes de lançar "Eu e Você", no ano passado, em Cannes, decidiu não deixar o problema tirar sua paixão pelo cinema.

Agora, o italiano retorna a Cannes para exibir uma versão em 3D de "O Último Imperador", cuja transposição ele mesmo aprovou. "Eu amo 3D. Já queria filmar 'Eu e Você' em 3D, mas foi impossível porque o processo ainda é muito lento e eu precisava fazer o filme rapidamente", diz o cineasta à Folha no domingo (19), um dia depois da apresentação do clássico na Croisette.

"Eu adoro contaminação, quando dão vida a algo novo. Só não gosto quando escrevem cenas feitas para pularem na sua face, 'pop pop', porque não acrescenta à história. Felizmente, como 'O Último Imperador' estava feito, não houve essa tentação", brinca o italiano, que ainda guarda boas memórias de filmar na China em um período em que o país era fechado.

"Quando fui filmar a cena da coroação do menino imperador, eu vi aqueles milhares de extras [figurantes], todos no canto certo. Eu simplesmente entrei em pânico com o tamanho daquilo e me tranquei no meu trailer", diverte-se ele.

Tiziana Fabi/AFP
O cineasta italiano Bernardo Bertolucci
O cineasta italiano Bernardo Bertolucci

Bertolucci acredita que a tecnologia usada em seu épico chinês pode ser aplicada a qualquer situação, até num drama sobre o holocausto. "Por que não? Acho pode ser um explícito demais para 3D, mas acho que 'O Último Tango em Paris' funcionaria bem no formato."

Seria uma boa forma de rever o clássico protagonizado por Marlon Brando (1924-2004) e Maria Schneider (1952-2011), cuja cena de sexo anal chocou o cinema há 40 anos. Bertolucci revela que um dos poucos arrependimentos que tem na carreira vem do fato de não ter avisado Schneider dos seus planos e de Brando de utilizar manteiga como lubrificante.

"Não contei porque eu queria que ela reagisse como se tivesse sido realmente humilhada. E funcionou. Maria nunca interpretaria aquela raiva de outra maneira. Mas eu nunca me desculpei com ela por não ter aviso e me arrependo muito", confessa o italiano, que depois de anos em depressão por causa dos problemas da perna, não pensa em parar e já prepara um novo projeto.

"Eu nunca pensei em me aposentar. Ainda tenho muito o que fazer pelo cinema. Estou lapidando a ideia do meu próximo filme", exalta o diretor de "Os Sonhadores" (2003). "Por um tempo, eu me fechei na minha solidão, como o protagonista de 'Eu e Você' no porão. Mas já passou. Ainda acho que me conecto bem com a juventude e sei representá-la."


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