Folha de S. Paulo


Cristina Kirchner elogia versão rejeitada de filme sobre Néstor e retoma produção

Num processo enroscado, típico das comédias pastelão e dos arranjos políticos, a cinebiografia do ex-presidente argentino Néstor Kirchner (1950-2010) foi arrancada das mãos do diretor uruguaio Adrián Caetano (premiado por filmes como "Um Urso Vermelho") e passada para a cineasta Paula de Luque.

Como resultado, após a estreia da versão oficial de Luque em 93 salas de cinema do país, em novembro de 2012, a versão oficiosa e inacabada do uruguaio vazou na internet no início deste mês.

Grupo Clarín vive guerra com Cristina Kirchner

Com a repercussão do corte mais sóbrio e irônico da versão revelada, o filme foi parar no colo da atual presidente, viúva de Néstor, Cristina Kirchner.

Leo La Valle - 27.out.2010/Efe
Néstor Kirchner (1950-2010) em campanha eleitoral de 2009 em La Plata, na Argentina
Néstor Kirchner (1950-2010) em campanha eleitoral de 2009 em La Plata, na Argentina

No último fim de semana, o caso teve uma reviravolta. Cristina tuitou que assistiu à versão de Caetano "no sofá onde costumava se sentar com Néstor" e que voltou "a sentir que ele me olhava".

A presidente então pediu que os produtores do longa, vinculados ao kirchnerismo, retomassem o contato com Caetano para a conclusão do filme, que deve ficar pronto em outubro deste ano.

Detalhe: os produtores, Jorge "Topo" Devoto e Fernando "Chino" Navarro, foram os mesmos que trocaram o uruguaio por Luque.

Em janeiro de 2012, um ano depois de assumir o comando do projeto, Caetano foi afastado quando mostrou o primeiro corte de um filme que "não chegava aonde queríamos chegar", explica Navarro, que integra os movimentos Evita e kirchnerista.

"Aspirávamos a um filme que excedesse a melhor homenagem que Cristina pudesse imaginar", disse o produtor ao jornal "Clarín".

Na época, Caetano escreveu em sua conta no Twitter sentir "tristeza" pela circunstância.

No lugar de Caetano, a cineasta Paula de Luque assumiu a direção do projeto, que já tinha 600 horas de imagens coletadas. Ela teve o auxílio de Florencia Kirchner, a caçula do casal Kirchner.

Entre os registros até então inéditos estão cenas do casamento de Néstor e Cristina, imagens de passeios dos dois no sul do país e da infância de Máximo (o filho mais velho do casal).

FILMES DIFERENTES

Ambas versões, de Luque e de Caetano, têm a mesma trilha sonora, mas diferenças substanciais (veja arte).

Nenhuma das duas produções é crítica ao mandatário. A diferença fundamental é que, enquanto o filme de Luque possui um tom emocional, o corte de Caetano é mais sóbrio e inclui pitadas de ironia e experimentalismo.

"Néstor Kirchner, o Filme", de Luque, reúne depoimentos de argentinos comuns --que se dizem resgatados da pobreza com a chegada de Kirchner ao poder (2003-2007)- e testemunhos de parentes do ex-presidente.

Para o "Clarín" --jornal opositor à gestão Cristina--, "o rigor histórico a que apela o premiado diretor [Caetano], ainda que não se afaste da intenção de favorecer o personagem, contrasta com o conteúdo panfletário do produto que elaborou Luque".

Editoria de Arte/Folhapress

O documentário de Luque teve 106.038 espectadores e se posicionou como a nona produção nacional de maior público nos cinemas em 2012. Há 15 dias na internet, a versão de Caetano, de 101 minutos, já chega a pelo menos 100 mil visualizações somadas no YouTube e no Vimeo.

Luque diz não haver visto o filme de Caetano nem haver mantido contato com ele. O diretor uruguaio afirma o mesmo com relação à realizadora argentina e sua obra.

Procurado pela Folha, Caetano não quis dar entrevista. Mas, em conversa com a rádio Del Plata na última segunda-feira, disse que o fato de que a obra agora repercutir mostra que ele "não estava tão errado assim".

FINANCIAMENTO

Ao custo de 6,665 milhões de pesos (cerca de R$ 2,6 milhões), o documentário de Luque foi financiado, de acordo com Navarro, por empresas privadas, construtoras e entidades públicas como o banco Provincia, a Loteria del Chaco e o Partido Justicialista.

Quando de sua estreia, em novembro passado, o longa colecionou críticas e denúncias não só quanto ao conteúdo mas também com relação a seu financiamento e manutenção nos cinemas.

"O filme tem pouco a ver com a realidade. Queriam fazer de Néstor Kirchner um Che Guevara moderno", considerou à época Hugo Moyano, líder da CGT (Confederação Geral do Trabalho), opositora ao governo. Também em novembro de 2012, reportagem do "Clarín" relatou a compra massiva de ingressos por sindicalistas, que depois distribuíam as entradas gratuitamente nas ruas.

No Brasil, os dois filmes podem ser vistos pela web, nos links abaixo:

Filme de Paula de Luque

Vídeo

Filme de Adrián Caetano

Vídeo


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