Folha de S. Paulo


Escritor espanhol Agustín Fernández Mallo mescla linguagens em romance pop

Na tela de fundo, um filme estrelado por Charles Bronson. Adiante, dois sujeitos com um Mac aberto e papéis avulsos espalhados sobre uma mesa.

Um parece uma versão hispânica do Moby, o outro é um cara alto, esguio, com um jeitão de Woody Allen. Leem poesias e fragmentos de textos avulsos.

Esse é o duo espanhol de "spoken word" Afterpop, que mistura música, literatura e teatro e pode ser visto no YouTube em várias apresentações feitas em festivais europeus.

Alberto Aja/Efe
O escritor Agustín Fernández Mallo, que tem seu livro "Nocilla Dream" lançado no Brasil
O escritor Agustín Fernández Mallo, que tem seu livro "Nocilla Dream" lançado no Brasil

O tipo com ares de Woody Allen é o galego Agustín Fernández Mallo, 46, idealizador do projeto e que tem seu primeiro romance, "Nocilla Dream", lançado no Brasil.

"Acredito numa arte feita de mistura e de fragmentos, de cenas e de outras artes, porque assim é a vida contemporânea. Não lidamos com a linearidade nem com a homogeneidade em nosso dia a dia. Penso que a arte deve refletir isso", diz Mallo à Folha, por telefone.

De fato, o romance de 2006, que inaugurou a trilogia "Nocilla", é uma colagem de cenas poéticas que só vão tomando sentido quando lidas em conjunto. Após "Nocilla Dream", vêm "Nocilla Lab" e "Nocilla Experience", títulos que a editora ainda traduzirá no Brasil.

Nocilla é um creme de chocolate muito popular na Espanha e em Portugal, semelhante ao Nutella, e acabou virando um rótulo para designar os autores da geração de Mallo, que hoje é conhecida como a geração Nocilla.

"Não gosto de rótulos, é uma coisa inventada pelo jornalismo cultural. Mas concordo que há uma busca por uma ruptura nos escritores contemporâneos com a qual me identifico."

No caso de Mallo, essa ruptura se dá pela mescla de poesia com prosa, e com a intersecção de linguagens. O escritor galego é também físico de formação e defende um tratamento poético das questões básicas da ciência.

"A ciência não pode ser separada das humanidades, simplesmente porque é também uma invenção humana."

BORGES

Seus textos-colagens ainda trazem referências da publicidade, da televisão e da internet. "A prosa espanhola era muito conservadora e sujeita a regras específicas da literatura. Creio que estamos conseguindo fugir disso."

Entre suas influências, estão autores como Don DeLillo e David Foster Wallace. A geração Nocilla já foi identificada como uma "prima" de movimentos latino-americanos como o Macondo chileno e o Crack mexicano, mas Mallo não está de acordo.

"Não são conceitos que se podem transportar. Designam quiçá uma mudança geracional na literatura contemporânea, e nesse sentido podemos ser considerados próximos, mas artisticamente há pouco a ver."

Em 2011, Mallo enfrentou uma dura batalha com a viúva do escritor argentino Jorge Luis Borges, María Kodama, que conseguiu que a editora Alfaguara retirasse das livrarias a obra "El Hacedor (de Borges) Remake" (2011). O livro era uma "recriação" da obra homônima de Borges, e Kodama viu nele um plágio.

Mallo o considera de outra maneira. "Para mim é a melhor forma de homenagear Borges. Só o que fiz foi aplicar seus próprios conceitos à sua obra." Os argumentos, porém, não convenceram, e seu livro segue proibido.

Por conta do veto, na Argentina e na Espanha acabou virando uma obra de culto.

"Meu consolo é que hoje em dia é quase impossível proibir uma obra de arte."

NOCILLA DREAM
AUTOR Agustín Fernández Mallo
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Joana Angélica d'Avila Melo
QUANTO R$ 35 (216 págs.)


Endereço da página:

Links no texto: