Folha de S. Paulo


Crítica: Em autobiografia, Diane Keaton parece continuar se procurando

O que faz alguém ler uma biografia? Ter algum interesse no biografado, e curiosidade sobre sua vida --a particular, de preferencia.

Diane Keaton sempre me intrigou; eu a achava uma pessoa interessante mas não muito, que tinha feito belos filmes, e vamos falar a verdade: queria entender o longo caso que ela teve com Woody Allen, que eu adoro e venero.

Entendendo o caso, eu a entenderia e, por tabela, um pouco dele, e foi assim que mergulhei em seu livro de memórias, "Agora e Sempre". Durante a leitura e até a última página do livro, percebi que não estava lendo a biografia de Diane Keaton, mas sim a história de sua relação com a mãe, Dorothy.

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Woody Allen e Diane Keaton em cena de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", de 1977
Woody Allen e Diane Keaton em cena de "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa", de 1977

É curioso como uma mulher como Diane, que teve todas as oportunidades de ter sua própria vida, não tenha conseguido até os 63 anos (quando escreveu o livro) se desligar de sua mãe, que imagino ter sido uma mulher admirável.

As pessoas precisam crescer e cortar o famoso cordão umbilical para se tornarem adultas o que, me parece, ainda não aconteceu com Diane.

Vou me arriscar a dizer que talvez esta tenha sido a razão de nunca ter se casado --ou de nunca ninguém ter querido se casar com ela.

No livro ela passa muito de leve sobre três homens com quem se relacionou: Woody Allen, claro, Warren Beatty e Al Pacino. E, segundo se percebe, nenhum dos três teve por ela uma paixão fulminante.

Na maior parte do livro são cartas para a mãe, cartas da mãe para o pai e vice-versa, diários da mãe, descrições da mãe, e um monte de nomes que ela e talvez seus amigosmais íntimos saibam quem são, mas absolutamente desconhecidos para quem vive deste lado do Equador.

Sua memória é prodigiosa, e sei mais de Diane Keaton e de sua família, desde a infância, do que da minha.

Mas ela é corajosa, quando conta --em uma linha-- que Pacino, na segurança do consultório do terapeuta, disse que nunca teve a menor intenção de se casar com ela, queria era romper --e rompeu. Rompeu e saiu andando pela luz da Califórnia sem sequer olhar para trás.

Keaton dizia: "mamãe continua a ser a pessoa mais importante e mais influente de minha vida"; isso depois de passar dos 60, quando já deveria ter se tornado uma adulta.

Foram páginas e páginas com a descrição dolorosa dos 15 anos de sua mãe com Alzheimer, e foi só quando a doença se manifestou que ela adotou a primeira das suas duas crianças, e mais a quantidade de cartas e bilhetes que escreveu e recebeu, mais os diários de sua mãe, e como conduziu às vezes mal sua carreira, e como se depreciava, depois de ter conquistado o mundo com Annie Hall e Manhattan e ter ganho um Oscar, e como sua vida poderia ter sido muito interessante mas não foi, como o livro também não é.

Diane Keaton é sem dúvida uma mulher complicada, que parece continuar se procurando.

AGORA E SEMPRE
AUTORA Diane Keaton
EDITORA Objetiva
TRADUÇÃO Maria Beatriz de Medina
QUANTO R$ 39,90 (272 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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