Folha de S. Paulo


Acervo de Baden Powell será preservado pelo Instituto Moreira Salles

Vinicius de Moraes costumava dizer que para um de seus principais parceiros, Baden Powell (1937-2000), a quem ele chamava de "duende da floresta de sons afro-brasileiros", o violão era "a única arma de combate ao desamor, ao convencionalismo e à indiferença".

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Ao longo de 13 anos, a viúva do violonista nascido em Varre-e-Sai, interior do Rio, Silvia Eugênia de Souza, viu o acervo deixado por Powell ser tratado com indiferença por instituições públicas e privadas.

Reprodução
O violonista Baden Powell, em foto de 1968
O violonista Baden Powell, em foto de 1968

A situação começou a mudar no fim de 2012, quando ela e os filhos, o pianista Phillipe Baden Powell e o violonista Marcel Powell, assinaram um acordo de comodato com Instituto Moreira Salles para que a instituição cuidasse do acervo.

Recentemente, o instituto recebeu o material que por mais de uma década ficou guardado nos armários da casa em que o músico morou com Silvia, em Itanhangá, na zona oeste do Rio.

PROCESSO CUIDADOSO

A Folha teve acesso ao "baú aberto" do compositor, que atualmente está em fase de higienização, para depois ser catalogado.

"Ainda está tudo meio desorganizado. Tem bastante coisa escrita, mas temos de olhar com cuidado, analisar a caligrafia, por exemplo, para ver se é a letra do Baden", explica Bia Paes Leme, coordenadora de música do IMS, que já cuida de acervos como o de Pixinguinha.

A instituição pretende convidar Mauricio Carrilho para analisar as partituras.

"O Mauricio teve o mesmo professor que o Baden, o Meira [Jayme Florence], conhece muito o assunto."

Daniel Marenco/Folhapress
Anotações do cantor em manuscrito do afro-samba
Anotações do cantor em manuscrito do afro-samba "Canto de Iemanjá"

E foi justamente o zelo com a obra de Pixinguinha um dos motivos que levaram a família de Baden a entregar o acervo ao instituto.

"Em casa tudo era cuidado com carinho, mas você não consegue guardar direito, sobretudo pelas condições climáticas, que não são as ideais. Falei com os meninos [os filhos] e vi como eles [IMS] tinham cuidado das coisas do Pixinguinha. Na mão da gente, o material se perde", conta Silvia.

DE CHOPIN A HEBE

Do material, os únicos itens que foram contados são as fotos, 94, além de três violões de Baden (um argentino, um alemão e um Del Vecchio, dado de presente por outro violonista consagrado, Luiz Bonfá, morto em 2001).

O instituto ainda não sabe avaliar se algo foi perdido ou muito prejudicado pelo fato de ter ficado durante anos guardado em condições caseiras.

Na etapa inicial já se sabe que algumas "masters" (fitas com gravações de áudio) estão emboloradas.

O acervo tem também muitos cadernos de estudo de Baden, com métodos e temas de Chopin e Bach (evidenciando a influência dos eruditos), de Andrés Segovia (a escola do violão espanhol) e de Guerra Peixe (quem assina os arranjos do antológico "Os Afro-Sambas", lançado em 1966 por Baden e Vinicius).

Em relação às partituras, ainda não foram identificadas composições inéditas pelo instituto. Mas no material que será digitalizado estão manuscritos de "Berimbau" e "Canto de Iemanjá", com observação de Baden sobre a "6ª corda em Ré", um detalhe primoroso e autoral para a execução da música.

Daniel Marenco/Folhapress
Fita de áudio original de Baden Powell, encontrada embolorada pelo IMS
Fita de áudio original de Baden Powell, encontrada embolorada pelo IMS

Outra parte importante e curiosa são os discos que Baden ouvia, que demonstram a diversidade da personalidade musical do compositor.

Na coleção, o instrumental, com Jacob do Bandolim e Severino Araújo, e o samba, com Herivelto Martins, Jamelão e Ataulfo Alves.

Além de temas internacionais com Frank Sinatra e nacionais com Hebe Camargo cantando "Mambo Italiano" e "O Banjo Voltou".

"De vez em quando recebemos propostas do exterior, temos de cuidar da memória de um compositor fantástico. A cabeça dele era só nota musical, não tinha espaço para mais nada", diz a viúva do músico.


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