Folha de S. Paulo


Justiça de SP proíbe também livro que inspirou peça sobre caso Isabella

O livro "Edifício London", de autoria do dramaturgo Lucas Arantes e que inspirou a peça de teatro homônima, teve suas vendas proibidas pela Justiça. A editora Coruja, que publica a obra, recebeu notificação informando sobre a decisão na terça-feira (26). O processo corre em segredo de Justiça.

O espetáculo, que seria encenado pela companhia Os Satyros, já havia sido proibido pela Justiça no início do mês.

Livro e peça são inspirados no assassinato da menina Isabella Nardoni, que foi jogada do sexto andar de um prédio, o edifício London, em março de 2008. O pai de Isabella, Alexandre Alves Nardoni, e a madrasta da menina, Anna Carolina Trotta Jatobá, foram condenados em março de 2010 por homicídio triplamente qualificado e fraude processual (por haver alterado a cena por crime).

André Stefano/Divulgação
Os atores Davi Tostes e Samira Lochter na peça "Edifício London", sobre o caso Isabella
Os atores Davi Tostes e Samira Lochter na peça "Edifício London", sobre o caso Isabella

A mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira, foi autora da ação pedindo as suspensões da peça e da obra literária.

O grupo Satyros recebeu a decisão judicial na noite do dia 1° de março. O desembargador Marcelo Fortes Barbosa Filho, da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, atendeu o pedido da mãe de Isabella.

O texto da decisão judicial argumentava que, para Ana Carolina Oliveira, as obras fazem "remissão direta ao homicídio de que sua filha foi vítima, na qual, 'em verdadeira aberração', é, inclusive, lançada uma boneca decaptada por uma janela, configurando violação à imagem de sua filha morta e efetiva agressão a sua pessoa".

Segundo Dinovan Dumas de Oliveira, advogado que representa Os Satyros, a proibição da circulação do livro já estava na decisão que proibia a peça. Por causa do segredo de Justiça, no entanto, Oliveira não quis informar o motivo pelo qual a editora foi notificada somente nesta semana.

Arantes, autor da obra, soube de sua suspensão nesta quarta-feira (27) por meio da editora. Ele diz crer que a decisão pode chegar a proibir também sua manifestação.

"Sinto constrangimento com a aberração que é a justiça brasileira e com o que está acontecendo com um dos grupos de teatro mais importantes do país. É um absurdo censurar uma obra de ficção", afirma Arantes.

Lau Baptista, dono da Editora Coruja, informou que não poderia se manifestar a respeito do caso porque o processo corre em segredo de Justiça.

O livro integra a Coleção Rascunho, que publica textos inéditos a custos econômicos. O "Edifício London", que foi publicado em novembro do ano passado, era vendido somente pelo site da editora e custava R$10. Baptista afirma que o número total de vendas foi abaixo de 500 livros. No site da editora Coruja, o livro é listado como "esgotado".

Trecho da peça Edifício London (retirado do site da editora Coruja):

"O jornal é uma espécie de psicólogo social. Quando uma tragédia anunciada ocorre, ele busca organizar o luto de uma sociedade inteira. A notícia é a presentificação de um marco. Quanto mais tempos os noticiários anunciam um fato, mais marcante esse acontecimento é. A diferença é que o luto não é eterno. Com o tempo, outras fissuras vão sendo criadas na sociedade, novos acontecimentos que os jornais precisam falar. Eventualmente, algumas tragédias são lembradas em datas comemorativas como um marco para suplantar a dor dessa falha social, desse bolo de pessoas que se reuniram para tentar fugir da morte. Aos poucos, nós vamos esquecendo e os jornais também. Mas quando o jornal não dá conta de suplantar o mistério, de esclarecer os motivos, de responder as perguntas de um acontecimento, a arte tenta cumprir o seu papel de eternizar o enigma."


Endereço da página: