Folha de S. Paulo


Grupo de teatro mineiro se entrega a diretor argentino Daniel Veronese

Visto de perto, o aparente realismo do teatro do argentino Daniel Veronese desfaz-se em traços de estranhamento.

"Essa estranheza é o ponto de contato com as peças do Espanca!", reconhece a diretora mineira Grace Passô.

Com sua companhia, ela passou um mês em Buenos Aires e cedeu a escrita e a direção ao colega. Desse encontro surge a remontagem de "O Líquido Tátil", em cartaz no Sesc Pompeia.

Guto Muniz/Divulgação
Cena da peça de Daniel Veronese montada pelo Espanca!
Cena da peça de Daniel Veronese montada pelo Espanca!

Ninguém diria que o texto, de 1997, foi eleito pelo argentino para o trabalho com o Espanca! pelo número de personagens. Quase poderia ter saído da mente de Grace. As coincidências passam por estremecer uma situação comezinha com um rasgo de absurdo (como o Espanca! fez em "Amores Surdos"), expor o fazer teatral, forjar metáforas e aludir a cães (como em "Por Elise", outra dos mineiros).

O cachorro manifesta o lado irracional do humano e constitui a matéria em ebulição sob a superfície do espetáculo. O fervor sexual da personagem Nina é expresso por Grace em vocais e gestos parecidos aos de uma cadela.

"Veronese fala de nossos vícios, das pulsões e tentativas de reprimi-los e libertá-los", diz a atriz. "Ele conduz o foco para as mínimas relações daqueles personagens."
Enquanto Nina relembra seus tempos áureos no palco, o marido (Marcelo Castro) destila ciúme e trava com o irmão (Gustavo Bones) um embate entre teatro e cinema.

Encenado no Brasil em 2002 por André Carreira, "O Líquido Tátil" faz uma livre releitura de obras de Tchékhov (1860-1904). Embora anterior à trilogia de reescritas de peças do russo assinada por Veronese, reaproveita delas a mesma saleta precária como cenário. "Tenho fixação por esse espaço. Vejo-o novo a cada vez", diz o diretor.

O intercâmbio com os mineiros foi breve e direto. "Nada muito diferente do que se faz com um grupo argentino. Os atores do Espanca! são profissionais e têm a cabeça aberta", observa Veronese.

"Era uma remontagem para ele", diz Grace. "Fomos com o texto decorado, voltamos verdes e continuamos trabalhando sozinhos. Ele é radicalmente sintético, chega a ser seco na narrativa. Trouxe para mim esse desejo de radicalidade."

O LÍQUIDO TÁTIL
QUANDO sex. e sáb., 21h; dom., 19h (até 28/4)
ONDE Sesc Pompeia (r. Clélia, 93; tel.: 0/xx/11/3871-7700)
QUANTO de R$ 4 a R$ 16
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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