Folha de S. Paulo


No Oscar, Michelle Obama fala por Hollywood: política e espetáculo são um só

Já havia uma grande surpresa: poucas vezes se viu um Oscar tão dividido entre tantos filmes. E no final da festa lá estava Jack Nicholson, esse monumento do cinema, pronto a dar o prêmio principal, de melhor filme do ano. Eis que, sobre ele, surge a imagem de Michelle Obama: a Casa Branca.

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A surpresa se impunha: a primeira-dama é quem faria as honras do prêmio principal. Jack Nicholson lá embaixo, esmagado. E, se ele estava esmagado, imagine os outros na cerimônia. E nós?

A Casa Branca deu o seu recado: política e espetáculo não são primas, nem irmãs. São uma coisa só.

Diante disso, não poderia haver melhor vencedor do que "Argo": encontro de política, história, humor e aventura --além do orçamento modesto.

Hollywood dava o seu recado: acima de todo efeito, de toda tecnologia, está sempre uma boa história, com bons personagens etc. Não por acaso, "Argo" levou ainda o prêmio de roteiro adaptado.

Mas a noite estava mais para ambiguidades do que para mensagens inequívocas.

A melhor direção foi para Ang Lee e seu "As Aventuras de Pi". Ou seja, o inverso de "Argo": 3D, efeitos às pampas, ficção fantástica (como gênero, à parte o prólogo e o epílogo lamentáveis).

Com isso, ficava claro que o perdedor da noite era Spielberg com seu "Lincoln". Nem roteiro, nem filme, nem direção. Só deu Daniel Day-Lewis.

Tenho, bem pessoalmente, a impressão de que, daqui a dez anos, esse será o filme mais lembrado do lote. Aliás muito bom: há tempos não tínhamos a sensação de que se escolhia o filme mais significativo do ano anterior (2012), em vez de uma coisa meio pomposa, feita quase sempre para a ocasião, no "gênero Oscar" (tipo "Anna Karenina").

Daí a pulverização de prêmios não ser inesperada. É claro, houve alguns que não foram propriamente pulverizados, mas dedetizados.

Não só Spielberg. Que dizer de Emmanuelle Riva? Mais da metade dos convidados pareciam não saber o que aquela velhota fazia por lá.

Jennifer Lawrence venceu como atriz com "O Lado Bom da Vida". É a típica aposta num possível futuro estrelato.

Tarantino, o "enfant terrible" querido, não saiu da cerimônia de mãos abanando: melhor roteiro original e ator coadjuvante.

Mas Christoph Waltz era uma escolha tão boa ou melhor do que qualquer outra.

Se Anne Hathaway, melhor atriz coadjuvante, era a certeza mais certa do ano, o prêmio mais impressionante foi o de montagem para "Argo".

Seja por deficiência do filme ou escolha da produção, optou-se por uma montagem paralela igual, a rigor, à que D.W. Griffith estava inventando em 1912, há um século.

É o aspecto do filme em que aparece o pé do pavão: a verdade mediana de "Argo" se mostra ali.

Quando o filme de Ben Affleck ganhou, apesar de tudo, em montagem, eu, que não sou profeta nem nada, pensei pela primeira vez que ali estava um candidato muito sério a melhor filme.


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