Folha de S. Paulo


Fotos criam narrativas ficcionais de imigrantes africanos na China

A melhor maneira de entender "Bissauians in China", livro do fotógrafo português José João Silva, 40, é começar pela mentira.

Entre março e agosto de 2011, ele retratou a vida de dezenas de homens e mulheres de Guiné-Bissau, sem distinção social, vivendo na periferia ou imersos na vida cultural de Guangzhou, na China.

Concebido para ser apreciado como um registro documental da vida desses imigrantes, "Bissauians in China" é, na verdade, uma narrativa de ficção.

Os personagens fotografados "atuam"como se estivessem em território chinês.

Durante quatro meses, João Silva e Patrícia Guerreiro, diretora de arte, trabalharam na pré-produção da obra, construindo personagens e coletando objetos em Lisboa que pudessem ser aplicados nos habitantes locais.

"Todos aceitaram facilmente a ideia, por mais absurda que fosse. Se fizesse o mesmo em Lisboa, perderia muito tempo respondendo o porquê daquilo tudo. O porquê foi uma questão que não existiu lá", diz o fotógrafo, que conseguiu colocar em prática todo o projeto em apenas dez dias na África.

Divulgação
Sabrina Camara, treinadora profissional no Shamian Tennis Courts, em imagem do livro
Sabrina Camara, treinadora profissional no Shamian Tennis Courts, em imagem do livro "Bissauians in China"

EMPREITEIRAS

Organizado como fichas de testes de atores e flertando com a realidade, as fotos divertem pela insanidade das descrições propostas pelo autor. Há Tânia Pereira, uma cantora que atingiu o sucesso em 2010 interpretando músicas de Sade na China.

Ou Pu Cau, diretor chinês que atualmente trabalha numa releitura de "Blade Runner". E, ainda, Clara Nidji, futura aluna de uma escola de enfermagem, clicada em frente a um prédio com gigantescos caracteres chineses.

Muitas obras em Guiné-Bissau foram construídas por empreiteiras chinesas, o que facilitou o trabalho de ambientação dos registros, já que marcas e inscrições orientais ficaram pelos edifícios depois de inaugurados.

Para compensar lacunas cenográficas, os elementos levados pelos artistas davam conta do recado.

"Existe um retrato em que uma menina usa uma camiseta com um ideograma chinês, que significa 'mentira'", diverte-se o fotógrafo. É uma brincadeira sofisticada.

Todos os objetos produzidos também estão registrados no livro, que ainda acompanha um diário do projeto e um texto de Raquel Monteiro, portuguesa que vive em Guiné-Bissau há três anos e relata sua adaptação ao país.

CINEMA

O livro, que já foi lançado em Portugal, nos EUA e no Japão, chegou ao Brasil nesta semana.

A vontade de lançá-lo em Guiné-Bissau, confessa o fotógrafo, é grande como a intenção de regravar, na África, o mesmo "Blade Runner" de um dos personagens do livro.

"Utilizando o som original, mas na Nigéria e no Níger", diz ele.

Combinando aspectos verossímeis e outros irreais, a obra cria um interessante jogo de cena na cabeça do leitor, onde a realidade nem sempre é formada pela verdade, e as histórias mentirosas carregam grande carga de veracidade.

BISSAUIANS IN CHINA
AUTOR José João Silva
EDITORA Efeitos Secundários
QUANTO R$ 59


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