Folha de S. Paulo


"Sonho de Walmor Chagas era ser um grande ator de cinema", diz biógrafo

Autor da biografia "Walmor Chagas: Ensaio Aberto para um Homem Indignado" (Coleção Aplauso, Imprensa Oficial do Estado de SP, 2008), o cineasta Djalma Limongi Batista era amigo próximo do ator, a quem conheceu por ocasião do espetáculo "Labirinto: Balanço da Vida", em 1975.

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"Nos últimos anos ele se isolou completamente nessa fazenda", disse à Folha, sobre a chácara em que Walmor morava há cerca de duas décadas em Guaratinguetá. "Se for pensar, a geração toda dele foi indo embora. É natural que a pessoa vá se isolando. Mas ele era também muito engraçado, ria muito."

Mas uma tristeza o ator --que morreu nesta sexta (18), aos 82, com um tiro-- nunca superou, segundo o cineasta: "O grande sonho dele era ser um grande ator de cinema. Como não existe cinema para esse tipo de ator que ele é, acabou fazendo poucos filmes".

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Folha - Você tinha bastante contato com o Walmor nos últimos anos?
Estou abalado. Nem sei o que dizer, sinceramente. Ele morava lá na fazenda, e a gente se falava uma vez por mês.

Folha - Pelo que ouvia dele nos últimos tempos, pode imaginar o que possa ter acontecido?
Não sei, não sei. Nos últimos anos ele se isolou completamente nessa fazenda. Era coisa dele mesmo, ele gostava. Se for pensar, a geração toda dele foi indo embora, é natural que a pessoa vá se isolando. Deve ser um sentimento horrível. Ele era sensível. Mas também engraçado, bem-humorado, ao contrário do que possa parecer pela postura que ele tinha em público.

Folha - Como era trabalhar com ele?
Comigo ele era gentil, delicado, ouvia minhas sugestões. É claro que, como ele era esse ator que já vinha pronto, eu não podia interferir muito. Porque ele tinha essa bagagem cultural e como ator. Eu o dirigi duas vezes, em "Asa Branca: Um Sonho Brasileiro" (1980), meu primeiro longa, e depois na peça "Um Homem Indignado" (2004), que ele escreveu. A peça era um monólogo multimídia, com projeções, em que ele contracenava com autores só por telões, como se fosse um reality show. E no ele final se suicidava.

Folha - Você falou em reality show. Ele era crítico em relação ao que via na TV?
Ele tinha uma angústia grande em relação ao universo das artes, especialmente das artes cênicas. Pela própria estrutura da peça que montamos, ele demonstrava ter esse sentido crítico. No sentido de achar que era uma vulgarização, uma perda da memória.

Folha - Ele não gostava de fazer TV?
Walmor sempre foi crítico. Veio de uma geração que encenava Jean-Paul Sartre, Tennessee Williams. Numa certa época partiu para a TV, virou galã, depois foi ser repórter, depois fez programas musicais. Ele era inquieto, não gostava de fazer sempre a mesma coisa. Depois de um tempo, não queria ficar aqui, não gostava de fazer novela. Mas adorava fazer cinema. O grande sonho dele era ser um grande ator de cinema. Como não existe cinema para esse tipo de ator que ele é, acabou fazendo poucos filmes. Ainda que tenha feito o "São Paulo S.A." (1965), ainda que tenha feito o "Xica da Silva" (1976)... E daí foi fazendo pequenos papéis.

Folha - Ele manteve esse sonho até o fim?
O [cineasta espanhol Luis] Buñuel, quando o viu no "São Paulo S/A", disse que ele era um ator extraordinário e que tinha de fazer cinema, ele ficou com isso muito na cabeça. Ele fotografava muito bonito. Ele era muito bonito. Mas não existia cinema, especialmente num período da vida dele aqui no Brasil, com personagens que coubessem. Ele gostava de personagens psicologizadas, ligadas a uma certa maneira de interpretar. Tinha essa formação stanislawskiana, montou "Gata em Teto de Zinco Quente" (1956), "Quem Tem Medo de Virginia Wolf" (1965). Essa eu vi por acaso, e foi uma das coisas mais lindas que já vi no teatro, ele e a Cacilda [Becker]. Ele tinha um tipo de interpretação que não existia no Brasil.


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