Folha de S. Paulo


Maria Pilla reconstrói atuação política e exílio em ficção autobiográfica

VOLTO SEMANA QUE VEM

Nesta obra de ficção autobiográfica, a escritora gaúcha Maria Pilla constrói uma narrativa fragmentada baseada em sua história de militância política, prisão e exílio, perpassada pelas histórias de outros militantes e companheiros, em passagens por Porto Alegre, São Paulo, Cincinnati, Paris e Buenos Aires.

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Organizados por datas, os trechos saltam entre regiões e épocas diferentes, procurando assim estabelecer conexões que vão além das espaciais e temporais para as muitas vidas interrompidas nas manifestações de intolerância política e violência que tomaram conta do Brasil e da América Latina entre os anos 1950 e o início dos 90.

Apesar dos enredos de crueldade, a organização da obra sugere um apaziguamento dos sofrimentos que, com o passar do tempo e das gerações, vão encontrando descanso nos escaninhos da memória. (ROBERTO TADDEI)

AUTOR Maria Pilla
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 29,90 (96 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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CARTOGRAFIA DA SOLIDÃO

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Lino de Albergaria lança simultaneamente dois romances sobre o labirinto amoroso (solitário, mas sem Minotauro). Semelhantes na intensidade psicológica, as duas narrativas também dialogam com o cânone literário, por meio de inúmeras epígrafes.

Em "Os 31 Dias", uma narradora misteriosa aproxima-se de "As Mil e Uma Noites", ao relembrar os próprios desencontros afetivos. No primeiro capítulo, ela avisa que tem 31 dias para escrever suas confissões, ao ritmo de um capítulo por dia.

A relação perversa imposta pelo despótico rei Xariar a Xerazade e sua irmã, Duniazade, projeta-se no vínculo não menos complexo entre Tomás e as irmãs Marília e Juliana.

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Do monólogo do romance anterior passamos ao diálogo de "Um Bailarino Holandês", em que dois narradores se alternam, se investigam, intrigados um com o outro.

A primeira troca de olhares acontece na livraria do Palácio das Artes, em Belo Horizonte. A partir daí, o livreiro e um cliente passam a habitar o mesmo território subjetivo, cheio de referências culturais.

A presença da capital mineira é forte nos dois romances. A cidade onde o autor nasceu e vive revela e oculta detalhes do labirinto de que Roland Barthes também fala nos "Fragmentos de um Discurso Amoroso". (NELSON DE OLIVEIRA)

OS 31 DIAS
AUTOR Lino de Albergaria
EDITORA Scriptum
QUANTO R$ 40 (208 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom

UM BAILARINO HOLANDÊS
AUTOR Lino de Albergaria
EDITORA Scriptum
QUANTO R$ 35 (144 págs.)
AVALIAÇÃO muito bom

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FERNANFLOR

Jeroni Fernanflor deixa a ilha paradisíaca onde nasceu para estudar direito e quem sabe ajudar a família rica a escapar das dívidas e da decadência, mas a pintura o arrasta para uma vida errante, boêmia e bem-sucedida internacionalmente, como consagrado artista de retratos.

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O texto de Sidney Rocha acompanha a história atribulada de Jeroni em busca de seu estilo, pontuada por muitos relacionamentos amorosos e contatos com celebridades, com uma plasticidade que lembra às vezes o realismo mágico e algo de Guimarães Rosa, porém numa chave pessoal, rente aos fatos.

A luta interna de Jeroni para encontrar o sentido da arte e sua potência como criador num mundo que se tornou "imagem falsa e gasta" é o ponto alto da narrativa, que está sintetizada na descoberta de que para o "artista de verdade não interessa a coisa, mas a vida da coisa".

O romance envolve logo o leitor pela agudeza poética da linguagem, mas perde força ao final, em anticlímax, frustrando um pouco as boas expectativas do início. (REYNALDO DAMAZIO)

AUTOR Sidney Rocha
EDITORA Iluminuras
QUANTO R$ 38 (112 págs.)
AVALIAÇÃO bom

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O AMOR DAS SOMBRAS

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Privilegiados que já tiveram oportunidade de ver Ronaldo Correia de Brito em ação no palco de um festival literário sabem de sua capacidade para narrar histórias e comover o público. Seus contos parecem mais próximos desse tipo de situação do que os romances "Galileia" e "Estive Lá Fora", talvez pelo fato de agregarem registros diversificados como a crônica e as memórias, distanciando-se das relações de causa e efeito do uso da trama, sem desprezar sensações que podem afetar o leitor.

Os relatos de "O Amor das Sombras" são, também, chaves de acesso a um mundo em extinção, de casarões de 200 anos como o habitado pelas velhas irmãs Mariana e Otília à beira de um açude onde escavadeiras buscam os corpos do casal de amantes que se jogou nas águas. Enquanto os homens reviram as profundezas, as duas escarafuncham a lembrança.

De fantasmas muito familiares são feitas essas histórias em que raramente o autor se afasta de sua vizinhança, sem receio algum —eis o essencial— de externar o que sente, e mais, que se importa. (JOCA REINERS TERRON)

AUTOR Ronaldo Correia de Brito
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 44,90 (224 págs.)
AVALIAÇÃO bom

Leticia Moreira/Folhapress
PARATY, RJ, BRASIL 04-08-2010, 14h00: Retrato do escritor Ronaldo Correia de Brito, durante o almoco de boas vindas aos escritores na 8a Festa Literaria Internacional de Paraty (FLIP). (Foto: Leticia Moreira/ Folhapress/ILUSTRADA)***EXCLUSIVO FOLHA***

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PSSICA

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Chegou. A nova porrada do Pará. Não é tecnobrega: está mais pra heavy carimbó. É do Edyr, o autor de "Moscow". O livrinho mais contundente da literatura brasileira desde "Feliz Ano Novo", de Rubem Fonseca, influência clara. Mas a forma é mais seca. Tamanco sem couro, pau puro. Sem adjetivo, prosa descarnada.

Neste romancito cruzam-se duas histórias. Duas tragédias, duas desgraças. Dois personagens tão ambíguos que toda hora nos supreendem. O cenário é o Norte do Brasil, Belém, Marajó, Guiana. E o sotaque local dá sabor à linguagem crua como jambu à culinária amazônica.

Janalice, garota zoada pela escola, após revelada uma sex tape, em menos de duas páginas é estuprada por um tio, depois se vicia em crack. O próximo passo é a prostituição. A outra história é do Manoel Tourinho, angolano que perdeu a mulher de maneira bárbara —e se torna um bandido cruel.

O horror repetido e esmiuçado pelas frases curtas e velozes fornece à narrativa um tom viciante, alucinatório, irreal. Mas é bem real. É o Brasil. Sem gelo. (RONALDO BRESSANE)

AUTOR Edyr Augusto
EDITORA Boitempo
QUANTO R$ 28 (96 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

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O VILAREJO

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Proteja o rosto. Use óculos e máscara, gotas de sangue podem espirrar nos olhos e na boca. "O Vilarejo" pertence à imortal tradição da ficção escatológica (de Clive Barker e Stephen King, por exemplo), em que pessoas de bem acabam dominadas pelos instintos mais perversos e ferozes.

Os sete pecados capitais movimentam as histórias macabras de Raphael Montes, ambientadas numa comunidade do leste europeu desaparecida há muito tempo. Cada pecado é inspirado por um demônio específico, mas são o frio, a fome e o medo que fustigam os moradores, principalmente os mais pobres, tornando-os uma presa fácil.

Nesses contos entrelaçados (gênero também conhecido como "novela fix-up") não existe bondade, muito menos salvação. Incluindo tortura, estupro e canibalismo, as sete histórias despertam mais a repulsa que o horror. Esse é o sentido da empatia e da catarse, no universo do bizarro. Experimentar —em segurança, é claro— a genuína aversão, o nojo intenso, constitui um dos prazeres que a literatura macabra pode proporcionar. (NELSON DE OLIVEIRA)

AUTOR Raphael Montes
EDITORA Suma de Letras
QUANTO R$ 29,90 (96 págs.) e R$ 19,90 (e-book)
AVALIAÇÃO muito bom

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O PRÓXIMO DA FILA

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Aos que reclamam que a literatura contemporânea só se interessa por protagonistas homens cis heterossexuais brancos de classe média, este livro é uma bem-vinda novidade, pois põe no centro um adolescente pardo e pobre —grande parte da população brasileira, que não se reconhece nem na publicidade nem na arte.

O romance foca uma época pouco cartografada, a hiperinflacionária virada dos anos 1980 para os 90, quando o jovem ganha a independência financeira se empregando numa grande rede mundial de fast food (sim, aquela mesma; mas, para acentuar a coisificação do trabalho, ninguém é nomeado —protagonista, colegas e parentes kafkianamente se apresentam como borrões do sistema).

Com frieza, mas também compaixão, em seu romance de estreia o carioca Rodrigues revisita na terceira pessoa seu passado como homem-sanduíche —e a escrita sóbria e a narração cinzenta afastam o texto do narcísico terreno da autoficção. A cena com o acidente na chapa é das mais indigestas da nossa literatura. (RONALDO BRESSANE)

AUTOR Henrique Rodrigues
EDITORA Record
QUANTO R$ 30 (192 págs.) e R$ 12,90 (e-book)
AVALIAÇÃO ótimo


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