Folha de S. Paulo


Drama mostra crise social e econômica da Alemanha dos anos 1920

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Cena de O Fantasma 2_créd. Divulgacao
Cena de "O Fantasma"

Transpor para o cinema a instabilidade da alma, em particular a alteração dos estados psíquicos no sonho, no delírio ou na loucura, foi uma das inovações introduzidas pelos diretores que a história reuniu no capítulo denominado "expressionismo". Desse modo, os filmes dessa tendência estética feitos na Alemanha nos anos 1920 passaram a integrar a corrente subjetivista cuja influência vinha desde o romantismo e já havia servido de vetor para a introdução do vírus modernista na literatura, nas artes plásticas e no teatro. Um dos efeitos imediatos dessa busca foi promover o reconhecimento do cinema como uma forma de arte. Outro foi expandir os recursos do cinema como linguagem visual.

O diretor F. W. Murnau, reconhecido como um dos criadores centrais do expressionismo, alcança a celebridade com "Nosferatu", título-pai, em 1922, da extensa linhagem de vampiros que ainda infesta o cinema. No mesmo ano, Murnau dirigiu "O Fantasma", filme considerado perdido por décadas e que foi restaurado em 2003, a partir do negativo original.

O título sugere continuidade no filão sobrenatural, mas a intenção de Murnau era, ao contrário, distanciar-se do gênero com um drama realista, um conto moral sobre ambição e queda.

Afastar-se da dimensão fantástica e aproximar-se do cotidiano permitiria tornar mais evidente a desordem mental que afeta Lorenz (Alfred Abel), um simplório funcionário público, depois que ele é atropelado pela carruagem conduzida por Veronika (Lya de Putti), uma jovem de classe alta.

O encontro abrupto lança o personagem numa espiral, pois ele se apaixona de imediato por Veronika, que nunca mais encontrará, e a obsessão pelo fantasma dela o forçará a uma sucessão de atos impensados.

Desde a apresentação de Lorenz no ambiente miserável em que vive com sua mãe e irmãos, ele é representado como um indivíduo à parte, mergulhado em livros, numa atitude de isolamento do qual se recusa a sair.

O acidente aprofunda essa natureza e provoca a transformação de Lorenz num autômato. Cego para a realidade, ele passa a ser manipulado por aproveitadores até cometer um crime. Só a prisão o liberta da desrazão.
O périplo do personagem confirma a análise do teórico Siegfried Kracauer no clássico "De Caligari a Hitler", que interpreta as manifestações de hipnotismo, manipulação inconsciente, possessão mental e obscurantismo recorrentes nos filmes do expressionismo como antevisões da dominação ideológica que o nazismo logo em seguida impôs à Alemanha.

Além desse sintoma histórico, o dinheiro é outro fantasma que se manifesta em múltiplas situações do drama. A pobreza da família do funcionário em contraste com o estilo de vida da tia rica, da grande burguesia, da garota arrivista que seduz Lorenz e da irmã (Aud Egede-Nissen) que sai de casa para se prostituir, são sinais da crise social e dos efeitos explosivos da inflação que começa a devorar a Alemanha nos meses das filmagens, em 1922.

Reprodução
O fantasma
O fantasma

Por fim, os recursos encontrados por Murnau e seus inventivos colaboradores para representar a perturbação psíquica do protagonista demonstram a valorização dos efeitos visuais no cinema desde uma época muito anterior à da parafernália tecnológica disponível hoje.

As imagens que se distorcem, os cenários que se desequilibram e as fantasmagorias que desfazem a realidade revelam como é curta a distância que separa o passado do cinema do seu presente.


O FANTASMA
DIRETOR: F.W. Murnau
DISTRIBUIDORA: Magnus Opus
QUANTO: R$ 54
AVALIAÇÃO: ótimo


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